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sábado, 3 de dezembro de 2011

Emmanuel Kant: Vida e Obras

Kant nasceu, estudou, lecionou e morreu em Koenigsberg. Jamais deixou essa grande cidade da Prússia Oriental, cidade universitária e também centro comercial muito ativo para onde afluíam homens de nacionalidade diversa: poloneses, ingleses, holandeses. A vida de Kant foi austera (e regular como um relógio). Levantava-se às 5 horas da manhã, fosse inverno ou verão, deitava-se todas as noites às dez horas e seguia o mesmo itinerário para ir de sua casa à Universidade. Duas circunstâncias fizeram-no perder a hora: a publicação do Contrato Social de Rosseau, em 1762, e a notícia da vitória francesa em Valmy, em 1792. Segundo Fichte, Kant foi "a razão pura encarnada".
Kant sofreu duas influências contraditórias: a influência do pietismo, protestantismo luterano de tendência mística e pessimista (que põe em relevo o poder do pecado e a necessidade de regeneração), que foi a religião da mãe de Kant e de vários de seus mestres, e a influência do racionalismo: o de Leibnitz, que Wolf ensinara brilhantemente, e o da Aufklärung (a Universidade de Koenigsberg mantinha relações com a Academia Real de Berlim, tomada pelas novas idéias). Acrescentemos a literatura de Hume que "despertou Kant de seu sono dogmático" e a literatura de Russeau, que o sensibilizou em relação do poder interior da consciência moral.
A primeira obra importante de Kant - assim como uma das últimas, o Ensaio sobre o mal radical - consagra-o ao problema do mal: o Ensaio para introduzir em filosofia a noção de grandeza negativa (1763) opõe-se ao otimismo de Leibnitz, herdeiro do otimismo dos escoláticos, assim como do da Aufklärung. O mal não é a simples "privatio bone", mas o objeto muito positivo de uma liberdade malfazeja. Após uma obra em que Kant critica as ilusões de "visionário" de Swedenborg (que pretende tudo saber sobre o além), segue-se a Dissertação de 1770, que vale a seu autor a nomeação para o cargo de professor titular (professor "ordinário", como se diz nas universidades alemãs).
Nela, Kant distingue o conhecimento sensível (que abrange as instituições sensíveis) e o conhecimento inteligível (que trata das idéias metafísicas). Em seguida, surgem as grandes obras da maturidade, onde o criticismo kantiano é exposto. Em 1781, temos a Crítica da Razão Pura, cuja segunda edição, em 1787, explicará suas intenções "críticas" (um estudo sobre os limites do conhecimento). Os prolegômenos a toda metafísica futura (1783) estão para a Crítica da Razão Pura assim como a Investigação sobre o entendimento de Hume está para o Tratado da Natureza Humana: uma simplificação brilhante para o uso de um público mais amplo. A Crítica da Razão Pura explica essencialmente porque as metafísicas são voltadas ao fracasso e porque a razão humana é impotente para conhecer o fundo das coisas. A moral de Kant é exposta nas obras que se seguem: o Fundamento da Metafísica dos Costumes (1785) e a Crítica da Razão Prática (1788). Finalmente, a Crítica do Juízo (1790) trata das noções de beleza (e da arte) e de finalidade, buscando, desse modo, uma passagem que una o mundo da natureza, submetido à necessidade, ao mundo moral onde reina a liberdade.
Kant encontrara proteção e admiração em Frederico II. Seu sucessor, Frederico-Guilherme II, menos independente dos meios devotos, inquietou-se com a obra publicada por Kant em 1793 e que, apesar do título, era profundamente espiritualista e anti-Aufklärung: A religião nos limites da simples razão. Ele fez com que Kant se obrigasse a nunca mais escrever sobre religião, "como súdito fiel de Sua Majestade". Kant, por mais inimigo que fosse da restrição mental, achou que essa promessa só o obrigaria durante o reinado desse príncipe! E, após o advento de Frederico-Guilherme III, não hesitou em tratar, no Conflito das Faculdades (1798), do problema das relações entre a religião natural e a religião revelada! Dentre suas últimas obras citamos A doutrina do direito, A doutrina da virtude e seu Ensaio filosófico sobre a paz perpétua (1795).

A Ciência e a Metafísica

O método de Kant é a "crítica", isto é, a análise reflexiva. Consiste em remontar do conhecimento às condições que o tornam eventualmente legítimo. Em nenhum momento Kant duvida da verdade da física de Newton, assim como do valor das regras morais que sua mãe e seus mestres lhe haviam ensinado. Não estão, todos os bons espíritos, de acordo quanto à verdade das leis de Newton? Do mesmo modo todos concordam que é preciso ser justo, que a coragem vale mais do que do que a covardia, que não se deve mentir, etc... As verdades da ciência newtoniana, assim como as verdades morais, são necessárias (não podem não ser) e universais (valem para todos os homens e em todos os tempos). Mas, sobre que se fundam tais verdades? Em que condições são elas racionalmente justificadas? Em compensação, as verdades da metafísica são objeto de incessantes discussões. Os maiores pensadores estão em desacordo quanto às proposições da metafísica. Por que esse fracasso?
Os juízos rigorosamente verdadeiros, isto é, necessários e universais, são a priori, isto é independentes dos azares da experiência, sempre particular e contigente. À primeira vista, parece evidente que esses juízos a priori são juízos analíticos. Juízo analítico é aquele cujo predicado está contido no sujeito. Um triângulo é uma figura de três ângulos: basta-me analisar a própria definição desse termo para dizê-lo. Em compensação, os juízos sintéticos, aqueles cujo atributo enriquece o sujeito (por exemplo: esta régua é verde), são naturalmente a posteriori; só sei que a régua é verde porque a vi. Eis um conhecimento sintético a posteirori que nada tem de necessário (pois sei que a régua poderia não ser verde) nem de universal (pois todas as réguas não são verdes).
Entretanto, também existem (este enigma é o ponto de partida de Kant) juízos que são, ao mesmo tempo, sintéticos e a priori! Por exemplo:a soma dos ângulos de um triângulo equivale a dois retos. Eis um juízo sintético (o valor dessa soma de ângulos acrescenta algo à idéia de triângulo) que, no entanto, é a priori. De fato eu não tenho necessidade de uma constatação experimental para conhecer essa propriedade. Tomo conhecimento dela sem ter necessidade de medir os ângulos com um transferidor. Faço-o por intermédio de uma demonstração rigorosa. Também em física, eu digo que o aquecimento da água é a causa necessária de sua ebulição (se não houvesse aí senão uma constatação empírica, como acreditou Hume, toda ciência, enquanto verdade necessária e universal, estaria anulada). Como se explica que tais juízos sintéticos e a priori sejam possíveis?
Eu demonstro o valor da soma dos ângulos do triângulo fazendo uma construção no espaço. Mas por que a demonstração se opera tão bem em minha folha de papel quanto no quadro negro... ou quanto no solo em que Sócrates traçava figuras geométricas para um escravo? É porque o espaço, assim como o tempo, é um quadro que faz parte da própria estrutura de meu espírito. O espaço e o tempo são quadros a priori, necessários e universais de minha percepção (o que Kant mostra na primeira parte da Crítica da Razão Pura, denominada Estética transcendental. Estética significa teoria da percepção, enquanto transcendental significa a priori, isto é, simultaneamente anterior à experiência e condição da experiência). O espaço e o tempo não são, para mim, aquisições da experiência. São quadros a priori de meu espírito, nos quais a experiência vem se depositar. Eis por que as construções espaciais do geômetra, por mais sintéticas que sejam, são a priori, necessárias e universais. Mas o caso da física é mais complexo. Aqui, eu falo não só do quadro a priori da experiência, mas, ainda, dos próprios fenômenos que nela ocorrem. Para dizer que o calor faz ferver a água, é preciso que eu constate. Como, então, os juízos do físico podem ser a priori, necessários e universais?
É porque, responde Kant, as regras, as categorias, pelas quais unificamos os fenômenos esparsos na experiência, são exigências a priori do nosso espírito. Os fenômenos, eles próprios, são dados a posteriori, mas o espírito possui, antes de toda experiência concreta, uma exigência de unificação dos fenômenos entre si, uma exigência de explicação por meio de causas e efeitos. Essas categorias são necessárias e universais. O próprio Hume, ao pretender que o hábito é a causa de nossa crença na causalidade, não emprega necessariamente a categoria a priori de causa na crítica que nos oferece? "Todas as intuições sensíveis estão submetidas às categorias como às únicas condições sob as quais a diversidade da intuição pode unificar-se em uma consciência". Assim sendo, a experiência nos fornece a matéria de nosso conhecimento, mas é nosso espírito que, por um lado, dispõe a experiência em seu quadro espacio-temporal (o que Kant mostrará na Estética transcendental) e, por outro, imprime-lhe ordem e coerência por intermédio de suas categorias (o que Kant mostra na Analítica transcendental). Aquilo a que denominamos experiência não é algo que o espírito, tal como cera mole, receberia passivamente. É o próprio espírito que, graças às suas estruturas a priori, constrói a ordem do universo. Tudo o que nos aparece bem relacionado na natureza, foi relacionado pelo espírito humano. É a isto que Kant chama de sua revolução copernicana. Não é o Sol, dissera Copérnico, que gira em torno da Terra, mas é esta que gira em torno daquele. O conhecimento, diz Kant, não é o reflexo do objeto exterior. É o próprio espírito humano que constrói - com os dados do conhecimento sensível - o objeto do seu saber.
Na terceira parte de sua Crítica da Razão Pura, na dialética transcendental, Kant se interroga sobre o valor do conhecimento metafísico. As análises precedentes, ao fundamentar solidamente o conhecimento, limitam o seu alcance. O que é fundamentado é o conhecimento científico, que se limita a por em ordem, graças às categorias, os materiais que lhe são fornecidos pela intuição sensível.
No entanto, diz Kant, é por isso que não conhecemos o fundo das coisas. Só conhecemos o mundo refratado através dos quadros subjetivos do espaço e do tempo. Só conhecemos os fenômenos e não as coisas em si ou noumenos. As únicas intuições de que dispomos são as intuições sensíveis. Sem as categorias, as intuições sensíveis seriam "cegas", isto é, desordenadas e confusas, mas sem as intuições sensíveis concretas as categorias seriam "vazias", isto é, não teriam nada para unificar. Pretender como Platão, Descartes ou Spinoza que a razão humana tem intuições fora e acima do mundo sensível, é passar por "visionário" e se iludir com quimeras: "A pomba ligeira, que em seu vôo livre fende os ares de cuja resistência se ressente, poderia imaginar que voaria ainda melhor no vácuo. Foi assim que Platão se aventurou nas asas das idéias, nos espaços vazios da razão pura. Não se apercebia que, apesar de todos os seus esforços, não abria nenhum caminho, uma vez que não tinha ponto de apoio em que pudesse aplicar suas forças".
Entretanto, a razão não deixa de construir sistemas metafísicos porque sua vocação própria é buscar unificar incessantemente, mesmo além de toda experiência possível. Ela inventa o mito de uma "alma-substância" porque supõe realizada a unificação completa dos meus estados d'alma no tempo e o mito de um Deus criador porque busca um fundamento do mundo que seja a unificação total do que se passa neste mundo... Mas privada de qualquer ponto de apoio na experiência, a razão, como louca, perde-se nas antinomias, demonstrando, contrária e favoravelmente, tanto a tese quanto a antítese (por exemplo: o universo tem um começo? Sim pois o infinito para trás é impossível, daí a necessidade de um ponto de partida. Não, pois eu sempre posso me perguntar: que havia antes do começo do universo?). Enquanto o cientista faz um uso legítimo da causalidade, que ele emprega para unificar fenômenos dados na experiência (aquecimento e ebulição), o metafísico abusa da causalidade na medida em que se afasta deliberadamente da experiência concreta (quando imagino um Deus como causa do mundo, afasto-me da experiência, pois so o mundo é objeto de minha experiência). O princípio da causalidade, convite à descoberta, não deve servir de permissão para inventar.

A Moral de Kant

É só no domínio da moral que a razão poderá, legitimamente, manifestar-se em toda sua pujança. A razão teórica tinha necessidade da experiência para não se perder no vácuo da metafísica. A razão prática, isto é, ética, deve ao contrário, ultrapassar, para ser ela própria, tudo que seja sensível ou empírico.
Toda ação que toma seus móveis da sensibilidade, dos desejos empíricos, é estranha à moral, mesmo que essa ação seja materialmente boa. Por exemplo: se me empenho por alguém por cálculo interessado ou mesmo por afeição, minha conduta não é moral. Com efeito, amanhã, meus cálculos e meus sentimentos espontâneos poderiam levar-me a atos contrários. A vontade que tem por fim o prazer, a felicidade, fica submetida às flutuações de minha natureza. Nesse ponto, Kant se opõe não só ao naturalismo dos filósofos iluministas, mas, também, à ontologia otimista de São Tomás, para quem a felicidade é o fim legítimo de todas as nossas ações. Em Kant, há o que Hegel mais tarde denominará uma visão oral do mundo que afasta a ética dos equívocos da natureza. O imperativo moral não é um imperativo hipotético que submeteria o bem ao desejo (cumpre teu dever se nele satisfazes teu interesse, ou então, se teus sentimentos espontâneos a ele te conduzem), mas o imperativo categórico: Cumpre teu dever incondicionalmente.
Em que consiste esse dever? Uma vez que as leis que a Razão se impõe não podem, em nenhum caso, receber um conteúdo da experiência e que devem exprimir a autonomia da razão pura prática, as regras morais só podem consistir na própria forma da lei. "Age sempre de tal maneira que a máxima de tua ação possa ser erigida em regra universal" (primeira regra). O respeito pela razão estende-se ao sujeito racional: "Age sempre de maneira a tratares a humanidade em ti e nos outros sempre ao mesmo tempo como um fim e jamais como um simples meio" (segunda regra). Desse modo, o princípio do dever, para ser absolutamente rigoroso, não implica em nenhuma "alienação", como diríamos hoje, em nenhuma "heteronomia", como diz Kant.
Para se unirem numa justa reciprocidade de direitos e obrigações, os homens só têm que obedecer às exigências de sua própria razão: "Age como se fosses ao mesmo tempo legislador e súdito na república das vontades" (terceira regra).
O único sentimento que tem por si mesmo um valor moral nessa ética racionalista é o sentimento do respeito, pois não é anterior à lei, mas é a própria lei moral que o produz em mim; ele me engrandece, ele me realiza como ser racional que obedece à lei moral. Vimos que, pelo fato de ser puramente formal, essa moral não me propõe, efetivamente, um ato concreto a realizar. Ela simplesmente autoriza ou proíbe este ou aquele ato que tenho vontade de praticar. Por exemplo, vejo de imediato que não tenho o direito de mentir, mesmo que me diga: e se todos fizessem o mesmo? A mentira de todos para com todos é contraditória, portanto, proibída. A moral formal, por conseguinte, apresenta-se como essencialmente negativa. Como diz Jan Kélévitch, o imperativo categórico é um "proibitivo categórico".
A moral de Kant, ao privilegiar a razão humana, exprime sua desconfiança com relação à natureza humana, aos instintos, às tendências de tudo o que é empírico, passivo, passional, ou, como diz Kant, patológico. Tal é o rigoríssimo kantiano. A razão fala sobre a forma severa do dever porque é preciso impor silêncio à natureza carnal, porque é preciso, ao preço de grande esforço, submeter a humana vontade à lei do dever. Por conseguinte, o domínio da moral não é o da natureza (submissão animal aos instintos) nem o da santidade (em que a natureza, transfigurada pela graça, sentiria uma atração instintiva e irresistível pelos valores morais). O mérito moral é medido precisamente pelo esforço que fazemos para submeter nossa natureza às exigências do dever.

Moral e Metafísica

A moral de Kant é o que chamamos de uma moral independente. Ela não possui outro fundamento além da consciência humana, essa consciência que é essencialmente razão. Mesmo que o universo não tenha o menor sentido, mesmo que a alma seja mortal, o discípulo de Kant se sabe obrigado a respeitas as máximas da razão.
Todavia, Kant vai reerguer a metafísica - essa metafísica cuja demonstração era impossível, segunda a crítica da razão pura. A originalidade de Kant está no fato de que, ao invés de buscar os fundamentos de sua moral na metafísica, ele vai estabelecer os fundamentos de uma metafísica na moral, a título de "postulados da razão prática". Por exemplo: o dever me prescreve a realização de certa perfeição moral que não consigo atingir na vida presente (posto que não chego a purificar totalmente a determinação de querer dos móveis sensíveis). Kant então postula a imortalidade da alma.
Por outro lado, Kant constata que a virtude e a felicidade quase não estão juntas, neste mundo em que, de um modo geral, os maus são muito prósperos. Ele então postula que um Deus justiceiro, por intermédio de um sistema de recompensa e punições, restabelecerá no além a harmonia entre virtude e felicidade.
Finalmente, partindo da consciência da obrigação moral, Kant vai postular a liberdade humana. Com efeito, a obrigação moral exclui a necessidade dos atos humanos. A obrigação não teria o menor sentido se minha conduta fosse automaticamente determinada por minhas tendências ou pelas influências que sofri. Ser moralmente obrigado é ter o poder de responder sim ou não à regra moral, é ter a liberdade de escolher entre o bem e o mal. "Tu deves, diz Kant, então podes."
Esta liberdade não poderia ser demonstrada. No plano dos fenômenos, isto é, da experiência, do que hoje denominamos ciência psicológica, eu vejo que meus atos, ao contrário, são determinados uns pelos outros no tempo. Aquele crime pode ser explicado pelas paixões de seu autor, pela deplorável educação que recebeu, etc... E, no entanto, o homem se sente responsável, por conseguinte, livre. Não esqueçamos que o mundo dos fenômenos, isto é, do determinismo, é um mundo de aparências. Por trás desse determinismo aparente, pelo qual o mundo se me apresenta no conhecimento, esconde-se a realidade numenal de minha liberdade. Por conseguinte, é fora do tempo, é nas profundezas do ser inacessível ao saber científico, que o mau escolheu livremente o seu caráter de mau. Em tal sistema, portanto, não existe liberdade parcial nem meia-responsabilidade. Totalmente determinados nas aparências fenomenais, seríamos totalmente livres em nossa realidade numenal: daí se segue que nenhum pecado poderia ser escusável.

A Crítica do Juízo

Desse modo, a filosofia de Kant nos surge como uma filosofia essencialmente trágica, já que afirma simultaneamente a necessidade da natureza (na Crítica da Razão Pura) e a exigência de uma liberdade absoluta (na Crítica da Razão Prática).
Em sua terceira grande obra, A Crítica do Juízo, Kant se esforça por mostrar a possibilidade de uma reconciliação entre o mundo natural e o da liberdade. A natureza não seja talvez não seja apenas o domínio do determinismo, mas também o da finalidade que aparece notadamente na organização harmoniosa dos seres vivos. Todavia, se o princípio de causalidade (determinismo) é constitutivo da experiência (não posso dispensá-lo para explicar a natureza), o princípio de finalidade permanece facultativo, puramente regulador (posso interpretar o agrupamento de certas condições como a manifestação de um fim). Tudo se passa como se o pássaro fosse feito para voar, mas uma coisa apenas é certa: o pássaro voa porque é constituído de tal maneira.
Os valores de beleza, presentes na obra de arte, igualmente nos oferecem uma espécie de reconciliação entre a razão e a imaginação, já que, na contemplação estética, a bela aparência que admiramos parece inteiramente penetrada dos valores do espírito. Finalidade sem fim (isto é, harmonia pura, fora de todo móvel exterior à obra de arte), a beleza oferece à nossa imaginação a oportunidade de uma satisfação inteiramente desinteressada. Ela é, no mundo kantiano, o exemplo único de uma satisfação ao mesmo tempo sensível e pura de todo egoísmo, o momento privilegiado em que uma emoção, longe de manifestar meu egoísmo dominador, dele me liberta e, como se diz muito bem, me "arrebata".

O Alcance da Crítica Kantiana
(Prefácio da 2.ª edição da Crítica da Razão Pura)

Um rápido olhar lançado nesta obra levará a pensar, de início, que sua utilidade é inteiramente negativa ou que ela só serve para nos impedir de conduzir a razão especulativa além dos limites da experiência, e é isso que lhe dá sua primeira utilidade. Mas logo se perceberá também que sua utilidade é positiva, pelo fato mesmo de os princípios sobre os quais se apóia a razão especulativa, para se aventurar fora de seus limites, na realidade terem por conseqüência inevitável não a extensão, mas, olhando mais de perto, a restrição do uso de nossa razão. É que, com efeito, esses princípios ameaçam de tudo enfeixar nos limites da sensibilidade, da qual propriamente dependem, e assim reduzir a nada o uso puro (prático) da razão. Ora, uma crítica que limita a razão em seu uso especulativo é, por esse lado, bem negativa; mas, ao suprimir com um mesmo golpe o obstáculo que restringe seu uso prático ou que até ameaça anulá-la, essa crítica, de fato, tem uma utilidade positiva da mais alta importância. É o que se reconhecerá logo que se esteja convencido de que a razão pura tem um uso prático absolutamente necessário (quero significar o uso moral), no qual ela se estende inevitavelmente além dos limites da sensibilidade e no qual, sem para isso ter necessidade do auxílio da razão especulativa, a razão prática, porém, quer estar assegurada contra toda oposição de sua parte, a fim de não cair em contradição consigo mesma. Negar que a crítica, ao prestar-nos esse serviço, tenha uma utilidade positiva, porque sua função consiste unicamente em fechar as portas à violência que os cidadãos poderiam temer uns aos outros, a fim de que cada um possa realizar seus negócios tranqüilamente e em segurança. Que o espaço e o tempo só sejam formas da intuição sensível e, conseqüentemente, das condições da existência das coisas como fenômenos; que, além disso, não tenhamos conceitos do entendimento e, portanto, quaisquer elementos para o conhecimento das coisas, sem que uma intuição correspondente nos seja dada, e que, por conseguinte, não possamos conhecer nenhum objeto como coisa em si, mas apenas como objeto da intuição sensível, isto é, como fenômeno, é o que será provado na parte analítica e daí resultará que todo conhecimento especulativo possível da razão se reduz unicamente aos objetos da experiência. Mas, o que é preciso marcar bem, surge aí uma reserva: é que, se não podemos conhecer esses objetos como coisas em si, podemos ao menos pensá-los como tais.
Se assim não fora, chegaríamos à absurda proposição de que existem fenômenos ou aparências sem que haja nada que apareça. Quando se supõe que nossa crítica não tenha feito a distinção que ela estabelece necessariamente entre as coisas como objetos de experiência e essas coisas como objetos em si, será preciso então que se estenda a todas as coisas em geral, consideradas como causas eficientes, o princípio da causalidade e, conseqüentemente, o mecanismo natural que ele determina. Por conseguinte, eu não poderia dizer do próprio ser, por exemplo, da alma humana, que sua vontade é livre e que, entretanto, está submetida à necessidade física, isto é, que não é livre, sem cair em evidente contradição, É que, nas duas proposições, tomei a alma no mesmo sentido, isto é, como uma coisa em geral (como objeto em si) e, sem as advertências da crítica, não poderia encará-la de outro modo.
Mas se a crítica não se enganou ao ensinar-nos a considerar o objeto em dois sentidos diferentes, como fenômeno e como coisa em si; se a dedução dos conceitos do entendimento é exata e se, conseqüentemente, o princípio da causalidade só se aplica às coisas no primeiro sentido, ao passo que no segundo sentido essas mesmas coisas não mais lhe estejam submetidas, a mesma vontade pode ser concebida, sem contradição, de um lado, como estando necessariamente submetida, do ponto de vista fenomenal (em seus atos visíveis), à lei física, conseqüentemente, como não sendo livre e, de outro, enquanto faz parte das coisas em si, como escapando a essa lei, por conseguinte, como livre. Ora, embora sob esse último ponto de vista eu não possa conhecer minha alma por intermédio da razão especulativa (e ainda menos pela observação empírica) e, conseqüentemente, eu também possa conhecer a liberdade como a propriedade de um ser ao qual atribuo efeitos no mundo sensível - posto que seria necessário que eu a conhecesse de uma maneira determinada em sua existência, mas não no tempo (o que é impossível, pois aqui nenhuma intuição pode ser submetida ao meu conceito) - eu posso, no entanto, pensar a liberdade, isto é, que sua idéia não contém a menor contradição, desde que admita nossa distinção crítica dos dois modos de representação (o modo sensível e o intelectual), assim como a restrição que daí deriva relativamente aos conceitos puros do entendimento e, por conseguinte, aos princípios decorrentes desses conceitos. Admitamos agora que a moral supõe necessariamente a liberdade (no sentido mais estrito) como uma propriedade de nossa vontade, colocando a priori como dados da razão princípios práticos que dela se originam e que, sem essa suposição, seriam absolutamente impossíveis; mas admitamos também que a razão especulativa tenha provado que a liberdade não fosse de modo algum concebida; será preciso então que necessariamente a suposição moral dê lugar àquela cujo contrário implica em evidente contradição, isto é, que a liberdade, e com ela a moralidade (cujo contrário não implica em contradição, quando não se supõe a liberdade previamente), desaparecem no mecanismo da natureza. Todavia, como é suficiente que, do ponto de vista da moral, a liberdade não seja contraditória e que, conseqüentemente, ela possa ser concebida, e como, desde que não se coloque como obstáculo ao mecanismo natural da própria ação (tomados num outro sentido), não há necessidade de se lhe ter um conhecimento mais amplo, a moral pode manter sua posição enquanto a física conserva a sua. Ora, é o que não teríamos descoberto se a crítica não nos houvesse previamente instruído sobre nossa inevitável ignorância relativamente às coisas em si e se ela não houvesse limitado aos simples fenômenos todo nosso conhecimento teórico. Desse modo, pode-se mostrar essa mesma utilidade dos princípios críticos da razão pura relativamente à idéia de Deus, a liberdade e a imoratalidade segundo a necessidade que minha razão tem em seu uso prático necessário, sem rechaçar ao mesmo tempo as pretensões da razão especulativa em suas visões transcendentes; pois, para chegar aí, lhe é necessário empregar princípios que na realidade só se aplicam a objetos da experiência sensível e que sempre transformam em fenômenos aquilo a que se aplicam, mesmo que esse algo não possa ser um objeto de experiência, e desse modo declaram impossível toda extensão prática da razão pura. Tive então que suprimir o saber para substituí-lo pela crença.


Crítica ao Argumento Ontológico
(Crítica da Razão Pura, Dialética Transcendental)

Cem táleres reais não contêm mais do que cem táleres possíveis. Pois, como os táleres possíveis exprimem o conceito e os reais o objeto e sua posição em si mesma, meu conceito não exprimiria o objeto inteiramente e conseqüentemente não estaria de acordo com ele, caso o objeto contivesse mais do que o conceito. Mas sou mais rico com cem táleres reais do que com sua idéia (isto é, se eles são simplesmente possíveis). De fato, o objeto na realidade não está simplesmente contido de uma maneira analítica em meu conceito, mas ele enriqueceu sinteticamente meu conceito (que é uma determinação do meu estado), sem que os cem táleres concebidos sejam aumentados por este ser que está situado fora do meu conceito.
Quando, então, eu concebo uma coisa, quaisquer que sejam e por mais numerosos que sejam os predicados por meio dos quais eu a concebo (mesmo que a determine completamente), e só por isso eu acrescente que essa coisa existe, eu não estarei acrescentando absolutamente nada à coisa. Se assim fora, não existiria mais a mesma coisa, mas algo além do que pensei no conceito; e eu não mais poderia dizer que é exatamente o objeto do meu conceito que existe. Se numa coisa eu concebo toda realidade, exceto uma, e pelo fato de dizer que essa coisa defeituosa existe, a realidade que lhe falta não lhe será acrescentada por isto; mas ela existe precisamente tão defeituosa quanto a concebo, pois, de outro modo, existiria outra coisa diferente do que concebi. Se, por conseguinte, eu concebo um ser como a suprema realidade (sem falhas), sempre resta saber se esse ser existe ou não. De fato, embora em meu conceito não falte nada do conteúdo real possível de uma coisa em geral, ainda falta, porém, alguma coisa com relação a todo meu estado intelectual, a saber, que o conhecimento de um objeto seja possível a posteriori. E aqui se mostra a causa da dificuldade que reina nesse ponto. Se se tratasse de um objeto dos sentidos, eu não poderia confundir a existência da coisa com seu simples conceito. De fato, o conceito só me faz conceber o objeto como concordante com as condições universais de um conhecimento empírico possível em geral, enquanto a existência me faz concebê-lo como compreendido no contexto de toda experiência; e, se o conceito do objeto não é de modo algum aumentado para sua ligação com o conteúdo de toda experiência, nosso pensamento dele recebe em acréscimo mais percepção possível. Se, ao contrário, quisermos pensar a existência unicamente por intermédio da pura categoria, não será de espantar que não possamos indicar nenhum critério que sirva para distingui-la da simples possibilidade.
Qualquer que seja a natureza e a extensão do conteúdo de nosso conceito de um objeto, somos obrigados a sair desse conceito para lhe atribuir a existência. Com relação a objetos sensíveis, a passagem se faz por meio do encadeamento que liga o conceito a alguma de minhas percepções, segundo as leis empíricas; mas, para os objetos do pensamento puro, não existe nenhum meio de reconhecer sua existência, já que seria preciso reconhecê-la inteiramente a priori; nossa consciência de toda existência (quer ela resulte imediatamente da percepção, quer resulte de raciocínios que unem alguma coisa à percepção) pertence inteiramente à unidade da experiência, e se uma existência fora desse campo não deve ser tida por absolutamente impossível, ela também não deixa de ser uma suposição que nada pode justificar.
O conceito de um ser supremo é uma idéia muito útil com relação a muitas coisas, mas, precisamente porque é apenas uma idéia, ele é inteiramente incapaz de estender a si só nosso conhecimento com relação ao que existe. Nem pode mesmo nos instruir o suficiente com relação à possibilidade. É certo que o caráter analítico da possibilidade - que consiste no fato de que simples posições (realidades) não engendram contradição - não lhe pode ser contestado; mas, como a ligação de todas as propriedades reais numa coisa é uma síntese cuja possibilidade não podemos julgar a priori, posto que as realidades não nos são dadas especificamente, e, mesmo que isso acontecesse, que não resultaria daí nenhum juízo, o caráter da possibilidade dos conhecimentos sintéticos que deve ser sempre buscado na experiência, à qual o objeto de uma idéia não pode pertencer, faz-se muito necessário que o ilustre Leibnitz tenha feito aquilo de que se orgulhava, isto é, chegar a conhecer a priori a possibilidade de um ser ideal tão elevado.
Essa prova ontológica (cartesiana) tão glorificada, que pretende demonstrar por meio de conceitos a existência de um ser supremo, perde, então, todo seu valor e não nos tornaremos mais ricos em conhecimentos com simples idéias quanto um comerciante não se tornaria em dinheiro se, com o pensamento de aumentar sua fortuna, ele acrescentasse alguns zeros em seu livro de caixa.


O Rigorismo de Kant
(Fundamento da Metafísica dos Costumes)

Conservar a própria vida é um dever e, além disso, é uma coisa para a qual todos possuem uma inclinação imediata. Ora, é por isso que a solicitude, freqüentemente inquieta, com que a maior parte dos homens se dedica a isso, não é menos desprovida de todo valor intrínseco e é por isso que sua máxima não possui nenhum valor moral. É certo que eles conservam sua vida de acordo com o dever, mas não por dever. Em compensação, quando contrariedades ou uma aflição sem esperança tenha roubado de um homem todo gosto de viver e se o infeliz, com ânimo forte, fica muito mais indignado com sua sorte do que desencorajado ou abatido, se deseja a morte e, no entanto, conserva a vida sem amá-la, não por inclinação ou temor, mas por dever, então sua máxima possui um valor moral.
Ser bom, quando se pode, é um dever e, ademais, existem certas almas tão capacitadas para a simpatia que, mesmo sem qualquer motivo de vaidade ou de interesse, elas experimentam uma satisfação íntima em irradiar alegria em torno de si e vivem o contentamento de outrem, na medida em que ele é obra sua. Mas eu acho que no caso de uma ação desse tipo, por mais de acordo com o dever e mais amável que seja, não possui porém verdadeiro valor moral, já que ela se coloca no mesmo plano de outras inclinações, a ambição, por exemplo, que, quando coincide com o que realmente está de acordo com o interesse público e o dever, com o que, por conseguinte, é honorável, merece louvor e encorajamento, mas não respeito, pois falta a essa máxima o valor moral, isto é, o fato de que essas ações sejam feitas não por inclinação, mas por dever. Suponha-se então que a alma daquele filantropo esteja ensombrada por um desses desgostos pessoais que sufocam toda simpatia pela sorte de outrem e que ele sempre ainda tenha o poder de fazer bem a outros infelizes, mas que não seja tocado pelo infortúnio dos outros, por estar demasiado absorvido pelo seu próprio, e que nessas condições em que nenhuma inclinação não mais o leve a isso, ele porém se arranque dessa insensibilidade mortal e aja, livre da influência de qualquer inclinação, unicamente por dever; então, só então sua ação terá verdadeiro valor moral. E digo mais: se a natureza tivesse colocado no coração deste ou daquele um pouco de simpatia, se aquele homem (honesto de resto) fosse frio por temperamento e indiferente aos sofrimentos de outrem, talvez porque, tendo para com seus próprios sofrimentos um dom especial de resistência e de paciente energia, ele suponha que também nos outros, ou deles exija as mesmas qualidades; se a natureza não tivesse formado esse homem particularmente o que na verdade não seria sua obra pior) para fazer dele um filantropo, não encontraria ele, então, em si próprio o meio de se dar um valor muito superior ao que possa ter um temperamento naturalmente bonsoso? Certamente! E á aqui precisamente que surge o valor do caráter, valor moral e incomparavelmente o mais elevado, que provém daquele que faz o bem não por inclinação, mas por dever.
Assegurar a própria felicidade é um dever (indireto, ao menos); pois, o fato de não estar contente com a própria situação, com o viver pressionado por inúmeros cuidados em meio de necessidades não satisfeitas, poderia facilmente tornar-se uma grande tentação de violar seus deveres. Mas, aqui ainda, sem pensar no dever, todos os homens já têm, por eles próprios, a inclinação para a felicidade mais duradoura e mais íntima, pois, precisamente nessa idéia de felicidade, as inclinações se unificam numa totalidade. Ocorre apenas que o preceito que ordena o tornar-se feliz muitas vezes assume tal caráter, que traz grande prejuízo a algumas inclinações, e, contudo, o homem não pode fazer um conceito definido e certo dessa soma de satisfações a ser dada a todas a que chama de felicidade; desse modo, não há por que se surpreender que uma inclinação única, determinada quanto ao que promete e quanto à época em que pode ser satisfeita, possa levar vantagem sobre uma idéia flutuante, que, por exemplo, uma pessoa que sofre de gota possa gostar mais de saborear o que é de seu gosto e sofra em seguida, pois, segundo seu cálculo, ao menos nessa circunstância ela não se privou, por causa da talvez enganosa esperança de uma felicidade a ser encontrada na saúde, do gozo do momento presente. Mas, nesse caso igualmente, se atendência universal não determinasse sua vontade, se a saúde, para ela ao menos, não fosse coisa tão importante de fazer entrar em seus cálculos, o que restaria ainda aqui, como em todos os outros casos, seria uma lei, uma lei que ordena trabalhar para a própria felicidade não por inclinação, mas por dever, e é por isto somente que sua conduta possui um verdadeiro valor moral.
Assim, devem ser certa e igualmente compreendidas as passagens da Escritura em que é ordenado amar ao próximo, ainda que inimigo. Pois, o amor como inclinação não pode ser ordenado; mas fazer o bem precisamente por dever, na medida em que não há inclinação que nos conduza a isso, e mesmo que uma aversão natural e invencível a isto se oponha, eis aí um amor prático e não patológico, que reside na vontade e não na tendência da sensibilidade, em princípios da ação e não numa compaixão debilitante; ora, esse amor é o único que pode ser ordenado.

Linguagem digital, o que diria Marcuse??

Segundo o filósofo alemão, que participou da Escola de Frankfurt, sendo também um de seus críticos, Hebert Marcuse (1898-1979), a sociedade consumista, derivante das vertentes tecnocratas, torna o homem apenas uma peça numa linha de montagem.
Assim, o homem seria chamado por ele de "unidimensional", ou seja, um individuo fútil que consegue apenas ver as aparências das coisas. Nesse panorama, a máquina e a tecnologia dominam o homem, que por sua vez tem uma visão estereotipada da felicidade. A "felicidade holywoodeana" ou as estórias de novelas das vinte horas, por exemplo, é um modelo à ser desejado pelas massas. O sujeito "seria" feliz porque a mídia lhe diz o que é "ser feliz". Diante desses fatores, não existe liberdade plena, nem valores reais da verdadeira felicidade.
"Felicidade" na sociedade consumista seria o casamento com alguém parecido com o Brad Pitt ou ter uma bela TV LCD na sala de estar.. Dessa forma, o sujeito permanece moldado e condicionado pela Mídia que também faz parte do ambiente tecnológico e seria um veículo considerável da propaganda capitalista..
No entanto, e agora? O que diria Marcuse com a expansiva Globalização cujos focos parecem caminhar para um mesmo centro, que na verdade ainda não sabemos qual é??
Como nos vemos sob a perspectiva, agora, digital?
Será que estamos criando novos excluídos?
A globalização tem faces positivas quando une povos estranhos entre si, quando torna a linguagem acessíveis e comuns. Quando se evoluiu do telégrafo para um teclado de com mouse, também encurtamos distâncias e tivemos a chance de conhecer o que nossos avós morreram apenas desejando...
A tecnologia está nos levando à cabo para além de oceanos. Entretanto, pode realmente estar nos escravizando. É paradoxal, de um lado a liberdade de informação e, porque não dizer, de conhecimento. A escolha pela fonte de informação. Porém, de outro lado, podemos também sofrer condicionamentos. E fica mais uma pergunta: Algum dia, na história, não sofremos condicionamentos? Mesmo na pré-história, existia a "lei do mais forte" e o mais "sábio" se calava e obedecia...E isso provavelmente era o que muitas matriarcas diziam aos seus entes: "- Fica quieto, o outros é mais forte" .
Quanto à uma nova classe de excluídos sociais. Não parece que possa surgir uma "nova classe" pois a classe que não tem computadores atualmente não seria a mesma que também não sabe escrever, é geralmente agrícola e tem, em seu cerne, alta mortalidade infantil por cólera?
Mas, será que as classes sociais ainda se mantém intocáveis?
Particularmente, acredito que o advento da linguagem digital aumentou a possibilidade de encontros interpessoais e estes acabam levando à correntes de saberes diferentes.
Escolas públicas, antes carentes atendendo à um público carente, agora tem PCs e parecem que agilizam suas conquistas pedagógicas.
Todavia ainda não termos a certeza de que iremos encontrar a liberdade e o prazer de sermos nós mesmos..encontrando novos e melhores valores. Ainda há muito consumismo e consumismo humano (até tráfico de pessoas temos)...No entanto, as coisas parecem estar mudando muito, o inventor da famosa "WWW" (World Wide Web Consortium), mais conhecida como "Web" , Tim Berners-Lee, em entrevista aqui no Brasil, afirmou que nada ganhou pelo fabuloso invento mas que ao ver as empresas e pessoas usando, fica muito mais feliz do que se tivesse recebendo uma fortuna. Aliás, ele ainda declarou que ficou imensamente feliz por ter conseguido se manter no trabalho que gosta de fazer..Ao que parece estamos dando sinais de um novo sistema, mais cooperativo que utilitarista, mais consciente de humanismo que tínhamos antes.

http://auladefilosofiacelia.blogspot.com/2009/01/linguagem-digital-o-que-diria-marcuse.html

domingo, 13 de novembro de 2011

A HISTÓRIA DE ANITA GARIBALDI

Ana Maria de Jesus Ribeiro, mais conhecida como Anita Garibaldi, (Morrinhos, Laguna, 1821 — Mandriole, Itália, 4 de agosto de 1849) foi a companheira do revolucionário Giuseppe Garibaldi, sendo conhecida como a "Heroína dos Dois Mundos". Ela é considerada, até hoje, uma das mulheres mais fortes e corajosas da época . Encontra-se na curia metropolitana de Lages o registro dos irmaos mais velhos e os mais novo de Anita, foi retirado do livro a folha do registro de Anita Maria de Jesus Ribeiro. De família modesta, descendente de portugueses imigrados dos Açores à província de Santa Catarina no século XVIII. O pai Benito era comerciante em Lages e casou-se com Maria Antônia de Jesus, com a qual teve seis filhos.

Após a morte do pai, Anita cedo teve que ajudar no sustento familiar, e por insistência materna, casou-se, em 30 de agosto de 1835, aos catorze anos, com Manuel Duarte de Aguiar, na Igreja Matriz Santo Antônio dos Anjos da Laguna. Depois de somente três anos de matrimônio, o marido alistou-se no exército imperial, abandonando a jovem esposa.

http://www.flickr.com/photos/gutembberg/372401085/

Pedra Filosofal

Quem já não ouviu falar acerca dos respeitáveis filósofos, médicos, químicos e intelectuais que passaram boa parte da sua vida diante de seu laboratório alquímico tentando decifrar o enigma da pedra filosofal, tão comentada nos círculos iniciáticos da Idade Média? Classificavam esse trabalho como sendo a “Grande Obra”, em alusão ao trabalho executado pelo Princípio Criador que resultou na confecção do universo que conhecemos. Em outras palavras, os alquimistas desejavam criar em pequena escala, assim como Deus o faz em grande escala. É nesse sentido que se referiam ao homem como sendo um microcosmo, capaz de refletir, em partes, o potencial criativo do universal (Macrocosmo).

Alguns célebres alquimistas revelaram, em alto e bom tom, que conseguiram a proeza de confeccionar a famosa pedra filosofal, capaz de transformar metais inferiores em ouro. Outros diziam ter descoberto um elixir capaz de curar todas as doenças e prolongar a vida por tempo indeterminado. Sem nos determos a uma discussão infrutífera acerca da confecção da tal pedra em seu aspecto material e grosseiro, vamos direto ao que realmente interessa, que são os resultados alcançados pelos mais célebres alquimistas em seu próprio desenvolvimento espiritual. É difícil analisar aqui em poucas palavras, as vivências, experiências e descobertas que levaram esses homens à conclusão de que o processo de confecção da pedra era mais subjetivo que objetivo. Apenas para uma análise e conclusão superficial do processo de purificação alquímica, analisemos um dos mais importantes “modus operandi “ dos antigos alquimistas em seus laboratórios:

“O alquimista mistura alguns componentes químicos com reagentes e coloca tudo num destilador ou forno alquímico. Inicia-se um processo de destilação e obtém o que se convencionou chamar o "espírito" daqueles mistos. Em seguida, o resultado do produto destilado era novamente juntado aos restos do processo e iniciava-se o trabalho de purificação por inúmeras vezes. Dessa forma, agindo paciente e insistentemente nesse trabalho árduo, onde era necessário, a todo tempo, controlar a temperatura do forno, o alquimista entrava inconscientemente, em estado de contemplação meditativa, onde alcançava uma elevação de seu ser. Depois de anos de persistência, o alquimista descobria que tentando purificar os materiais, acabava purificando-se e melhorando sua própria personalidade. E, mudando sua personalidade para melhor, notava que tudo à sua volta mudava, haja vista que o preceito hermético prescrito numa esmeralda por Hermes estava certo. “Tudo o que está em cima é como o que está embaixo”. Então, o alquimista descobria, também, com imensa alegria, que tudo o que estava fora era como o que estava dentro dele. Refletia como um espelho, no mundo exterior, as melhorias sensíveis em sua personalidade. Descobria assim, que era possível a transmutação dos metais, não apenas no seu aspecto físico, mas, principalmente, no seu aspecto espiritual, já que acreditava que os minerais também possuíam, por assim dizer, um “espírito”. Na maioria das vezes, quando chegava a essa conclusão magnífica, o alquimista abandonava, de fato, a busca pelo processo de transmutação dos metais em ouro, já que havia descoberto um tesouro interior que ofuscava o brilho de qualquer tesouro profano.

Como vemos, a descoberta da pedra filosofal, como o próprio nome já diz, consiste no conhecimento e reconhecimento dos segredos da sabedoria universal. Mais do que nunca, o alquimista espiritualizado torna-se consciente de sua capacidade de criar e modificar a natureza assim como Deus, já que fora, desde os tempos antigos, caracterizado como sendo criado à imagem e semelhança Daquele. Entretanto, a partir da nova descoberta da pedra filosofal, torna-se capaz de dirigir de forma consciente a sua vontade que é o verdadeiro instrumento da transmutação e da criação de todas as coisas. Eis o segredo da pedra filosofal dos alquimistas. Esse é o poder capaz de elevar o homem à capacidade de criar, assim como Deus, através da vontade firme, persistente e inquebrantável, que pode também ser caracterizada pelos místicos como “fé”, com que tudo é possível. A televisão, o rádio, o computador e todos os inventos que conhecemos surgiram desse processo alquímico de produção que é a mente humana. Eis o verdadeiro forno alquímico capaz de processar as maiores transmutações, através da correta utilização do fogo do desejo e da vontade e que é mantido ativo pela energia da fé. Tudo é possível ao que crê, já dizia Jesus, o maior alquimista de todos os tempos que, agindo em sintonia com o princípio criador universal, fora capaz de transmutar água em vinho para alegrar uma festa.

Há uma grande variedade de textos alquímicos, hoje, à disposição na própria “Internet”. Bons sites e livros excelentes à venda sobre o tema. É necessário, contudo, saber de antemão que o caminho é árduo, cheio de espinhos e armadilhas no início, no meio e... no fim? Ninguém sabe quando, nem onde... Ainda bem!

http://www.acasadoaprendiz.com.br/pedrafilosofal.html

sábado, 6 de agosto de 2011

FILOSOFIA MODERNA

Uma caminhada das trevas à luz?

Português: Um breve relato de algumas das características principais da Filosofia Moderna e Iluminismo e a ótica desses do homem e da sociedade, questionando a realidade da afirmação que a modernidade de fato seja um trajeto da humanidade das trevas à luz. Palavras-chave: Modernidade, Iluminismo, razão, perfectibilidade, liberdade, homem, sociedade.

English: A brief description of some of the principal characteristics Modern Philosophy (modernity) and the Enlightenment period and their vision of man and society, questioning the reality of the affirmation that modernity demonstrates in fact the passage of humanity from darkness to light. Keywords: Modernity, enlightenment, reason, perfectibility, liberty, man, society.

1. Introdução:

Os primeiros pontos de luz nas trevas do pensar livre, provocados pela rendição da razão à soberania da fé durante a chamada idade média, são percebidos nas obras de pensadores como Copérnico[1] que, em sua defesa e interpretação da teoria heliocêntrica provocou uma verdadeira revolução. O deslocamento da terra, obra prima do Deus criador, do centro do universo significou que o homem, tido como o supremo ato da criação, deixou também de ocupar seu lugar de criatura sujeito aos caprichos desse Deus.Da mesma forma que Sócrates, Platão e Aristóteles antes deles os filósofos da modernidade chamaram para o âmbito da inteligência e capacidade humana a tarefa de pensar o mundo!

Os historiadores afirmam que o renascimento nos séculos XIV e XV marcado pela redescoberta da arte e literatura grega, o humanismo com sua ênfase no temporal e o consequente colocação do homem no centro da realidade, o repensar da política e estilo de governo marcado pelas obras do Maquiavel[2], o estudo científico e a Filosofia Moderna com sua ênfase do poder racional do homem, sinalizaram um retorno às raízes do pensamento racional e a morte do poder de controle do astrólogo, do mago e da igreja sobre o conhecimento. A sabedoria (o conhecimento) não é mais visto como algo sagrada e mística além da compreensão do homem comum; através do pensar, do raciocinar o homem é capaz de traçar seu próprio destino e caminhar rumo ao conhecimento.No presente texto serão apresentadas características dessa época da jornada humana, será que é de fato uma viagem das trevas à luz ou pode ser considerado o curso natural das coisas à luz do crescer do conhecimento humano?

2. Características gerais da filosofia moderna.

A filosofia da idade moderna nasceu graças aos trabalhos dos protagonistas do renascimento cultural e científico dos séculos XIV e XV entre eles Nicolau Copérnico, Leonardo da Vinci[3], e dos esforços de cientistas e pensadores como Galileu Galilei[4], Francis Bacon[5], René Descartes[6] e Emanuel Kant[7] nos séculos seguintes e tem entre suas características:-

a) O Racionalismo

A filosofia moderna propriamente falando iniciou-se com a teoria do conhecimento do René Descartes. Conhecido como pai da filosofia moderna, parece que ele levou muito a sério as palavras do Leonardo Da Vinci que diz "Quem pouca pensa, muito erra."! [8] Na Idade Média, na sociedade e na política a Palavra de Deus, considerada fonte única do conhecimento absoluto, foi interpretada pela igreja que dominava todos os aspectos da vida. O renascimento trouxe uma ênfase renovada no desenvolvimento científico e na capacidade humana e a necessidade de uma nova definição do ser humano e seu lugar no mundo. Na modernidade a chamada Idade da Razão então, surgiu à necessidade de redefinir os paradigmas, Descartes na declaração, "penso logo existo", descrito pelo Prof. Wesley Dourado na palestra "Aspectos Gerais da Filosofia Moderna" [9] sobre as como um "ponto arquemédico [...] a verdade inicial da qual se poderá constituir outras verdades" iniciou esse processo. Ele declara que o homem, ser racional por natureza, tem a capacidade de alcançar o conhecimento e mais que isso, sua existência é definida pelo ato de pensar.

Por entender ser possível chegar ao pleno conhecimento através do processo de pensamento racional, Descartes, idealizou um processo de dúvida metódica pelo qual através da rejeição (eliminação) de pensamentos ou ideias em que resida a menor dúvida o homem seria capaz de alcançar o conhecimento. As obras do Descartes formaram a base sobre qual os racionalistas desenvolveram seus processos.

b) O Empirismo

Quando Leonardo Da Vinci afirma que "A sabedoria é filha da experiência" (ABBAGNANO, §388) ele de fato resume em poucas palavras a crença dos empiristas ingleses cujo trabalho antecedeu por quase um século. Francis Bacon, John Locke[10], David Hume[11] e outros pensadores contra posição aos racionalistas do continente europeu desenvolveram e propagavam o raciocínio experimental, ou seja, a teoria de que o único caminho pelo qual o homem pode chegar ao conhecimento é através da experiência sensível (empírica). Marlene Chauí explica que Francis Bacon "propõe a instauração de um método, definido como modo seguro de 'aplicar a razão à experiência', isto é, de aplicar o pensamento lógico aos dados oferecidos pelo conhecimento sensível". (2006 – p.126)

Marlene Chauí afirma que para os empiristas o contato com o mundo externo através de um conjunto de sensações (através dos sentidos) leva a um processo de dedução que possibilita o conhecimento, "O conhecimento é obtido por soma e associação das sensações na percepção e tal soma e associação dependem da freqüência, da repetição e da sucessão dos estímulos externos e de nossos hábitos". (2006 – p.133) Um fator marcante da modernidade é a separação entre a Filosofia e a Ciência empírica. A ciência moderna, dependente nas experiências desenvolvidas em situações controladas, é empírica por natureza, contrastando-se com o pensamento do Aristóteles que percebia a Metafísica como ciência primeira.

c) A perfectibilidade.

Os precursores da filosofia moderna entre eles Leonardo da Vinci, Copérnico e Galileu acreditaram na perfectibilidade da natureza e defenderam a teoria da perfectibilidade da razão humana. Iniciou-se uma "busca por expressar, entender, explicar pela razão perfeita a natureza perfeita" [12] A ciência renascentista entendeu que pelo fato que Deus criou a natureza é possível conhecer Deus através da natureza e, portanto, produzir conhecimento.

Em sua epistemologia Immanuel Kant sintetizou as teorias do Descartes e os racionalistas continentais e Hume e os empiristas ingleses.

O processo de racionalização, característico da Modernidade, que começara com os renascentistas e com os cientistas, e passara por Descartes e pelos empiristas, podia agora, ser compreendido por Kant como um processo que representava o curso natural da evolução da sociedade. Finalmente o ser o humano estava apto para raciocinar sobre a própria razão. (UMESP 2009 – p.11)

Leonardo da Vinci via nas formas perfeitas da matemática uma maneira de ilustrar a perfeição do corpo humano (o homem vitruviano) e assim tomou o curso da teoria da perfectibilidade. Kant, por sua vez, via na possibilidade do homem chegar à perfeição um processo natural de desenvolvimento rumo ao esclarecimento (Aufklãrung), um processo evolução pela qual o homem atinge sua maioridade, processo que depende não de condições externas, mas, na vontade do homem, só não tem condições de alcançar essa independência os preguiçosos que escolhem permanecer na minoridade sob a tutela intelectual de terceiros.

Embora enfatizando e dando destaque alto à razão e a perfectibilidade humana, Kant e outros filósofos modernos não fizeram nenhuma ruptura dramática dos valores religiosos da idade média. Essa ruptura veio com os Iluministas franceses como Voltaire e Diderot que produziram obras laicas e seculares e, por vezes extremamente críticas da ação de igreja e sua influência opressiva na sociedade e interferência no governo.

3. Características gerais do iluminismo

Danilo Marcondes em sua Introdução à História da Filosofia oferece a seguinte síntese do Iluminismo[13], ou Século das Luzes um movimento do pensamento europeu (mais forte na França) concentrado principalmente nos últimas cinco décadas do século XVIII - "O Iluminismo valorizou o conhecimento como instrumento de libertação e progresso da humanidade, levando o homem à sua autonomia e a sociedade à democracia, ou seja, ao fim da opressão." (2007. p.210). Tomando de base suas palavras, o iluminismo como movimento dentro da modernidade, mantendo a ênfase na racionalidade, tem características próprias tais como:

a) Liberdade e o fim da opressão.

"a liberdade é condição para que a sociedade siga seu curso natural rumo ao Esclarecimento" (UMESP, 2009 – p.11). A liberdade no pensamento iluminista é a liberdade da qual Kant escreveu em sua resposta a pergunta O que é o Esclarecimento?

Esse esclarecimento não exige todavia nada mais que a liberdade; e mesmo a mais inofensiva de todas as liberdades, isto é, a de fazer um uso público de sua razão em todos os domínios [...] Em toda parte só se vê limitação da liberdade [...] o uso público da nossa razão deve a todo momento ser livre, e somente ele pode difundir o Esclarecimento entre os homens (KANT - p.3).

O pensamento iluminista influenciou os grupos responsáveis por movimentos de libertação no século XVIII, seu efeito foi sentido de maneira muito particular na França e foi um dos fatores catalisadores da Revolução Francesa. A burguesia, educado e gerador de riqueza se via presa sobre o jugo da aristocracia, da monarquia absolutista e da igreja dominantes desde a Idade Média, obrigada a pagar impostos para manter o luxo de poucos ansiava por uma sociedade livre. Achou aliados prontos lutar entre as massas paupérrimas de Paris se levantou em revolta contra a opressão pelo direito de ter liberdade de escolha sobre o curso da própria vida e uma voz no governo do país que ajudou a enriquecer. Voltaire[14] que criticou o absolutismo da monarquia, o poder da igreja e sua interferência no sistema político e influenciou muito o movimento da revolução acreditava que sem liberdade de pensamentos não existe liberdade.

b) Vulgarização da Filosofia e a literatura clandestina.

Autores do Iluminismo francês como Voltaire e Diderot[15], entenderam a vulgarização (popularização) da filosofia e do conhecimento essenciais para o desenvolvimento do homem e, portanto, da sociedade. O conhecimento e principalmente o pensamento iluminista permeavam a sociedade na forma de contos, poesias e ensaios. Os membros da burguesia (novo classe media) francesa que tinha acesso à educação se interessavam em se esclarecer e questionavam a o poder da aristocracia foram os principais leitores desse material.

As publicações, muitas escritas na clandestinidade sob pseudônimos, que espalhavam críticas à igreja, à aristocracia e incentivava o questionamento do absolutismo, foram consideradas subversivas[16], condenadas e, os autores caçados. Voltaire pertencia a uma família nobre fato que lhe dava acesso à aristocracia que criticava, mas, diferentemente a muitos de sua época ele acreditava que o esclarecimento levaria a própria aristocracia a desejar uma sociedade mais justa. Escritor popular, Voltaire escreveu um grande número de contos e usava bem esse recurso literário na divulgação de seu pensamento filosófico, o uso de tom irônico e polêmico atraiu os leitores e irritou as autoridades, a fim de evitar prisão (em comum com os filósofos clandestinos da época) publicou vários de suas obras anonimamente ou sob outros pseudônimos.

c) O Projeto dos Enciclopedistas

Como parte do processo de esclarecimento, os iluministas buscaram disponibilizar a população o conhecimento por tanto tempo controlado exclusivamente pelos doutores[17]. Com o alvo de reunir todo o conhecimento disponível e apresentar à sociedade uma versão perfeito e final, Diderot e d'Alembert[18] publicaram as obras dos melhores autores na "Enciclopédia ou Dicionário lógico das ciências, artes e ofícios" [19], nesse projeto ambicioso "Todo esforço fora realizado sem se perder de vista o objetivo de vulgarização do conhecimento" (UMESP – p.15).

4. A compreensão de ser humano e de sociedade no Iluminismo.

A disponibilização do conhecimento é indicativa do fato de que, no Iluminismo, o progresso (do ser humano e da sociedade) é determinado pela razão através da qual o homem[20] caminha rumo ao conhecimento e os descobertos científicos alcançados tanto pela aplicação da razão como pela experiência empírica. Esses fatos são resultados de, e exercem influencia sobre os conceitos do ser humano e da sociedade mantidos pelos filósofos modernos do Iluminismo.

Nas obras dos iluministas há um retorno aos conceitos da antiguidade e o renovo e repensar desses. Filósofos como Rousseau[21] por exemplo, reformularam os conceitos platônicos e aristotélicos da pólis grega, da participação de todos os cidadãos na política para criar a base da nova sociedade. Em sua obra principal, Do Contrato Social, Rousseau "Afirma [...] que a sociedade funciona como um pacto social, onde os indivíduos, organizados em sociedade, concedem alguns direitos ao Estado em troca de proteção e organização." [22] Tomando como base a afirmação do filosofo alguns das características principais da compreensão do ser humano e da sociedade nessa época são:

a) No homem a perfeição, a autonomia racional e a liberdade natural. .

De acordo com Danilo Marcondes uma das características fundamentais da filosofia do Iluminismo em relação ao homem é "o individualismo que se baseia na existência do indivíduo livre e autônomo, consistente e capaz de se autodeterminar" (2007- p.208). O homem que de acordo com Rousseau nasce bom é visto no como livre, autônomo, dono de si e capaz de se traçar seu próprio destino.

No primeiro capítulo Do Contrato Social, Rousseau declara "O homem nasce bom, a sociedade corrompe". A ideia da perfeição natural do homem apresenta um contraste ao conceito da perfectibilidade do homem de outros filósofos modernos que viam a humanidade num caminhar rumo (um progresso racional) à perfeição e um contraste maior aos iluministas franceses que na maioria afirmaram que o homem, embora, nasceu imperfeito, alcançou a perfeição com o advento das ciências e a abertura do conhecimento.

Em seguida Rousseau declara que "o homem nasce livre e por toda parte se encontra acorrentada". A liberdade natural do homem no pensamento do Rousseau, embora negada historicamente pela ação opressiva da igreja ou do estado, não pode ser retirada, as condições na qual o homem vive podem o acorrentar, mas não muda o fato que nasceu livre!

Nesse tema Marcondes escreve "O grande instrumento do Iluminismo é a consciência individual, autônoma em sua capacidade de conhecer o real" ele percebe em todo o processo do iluminismo a atribuição ao "conhecimento a capacidade de, precisamente, libertaro homem dos grilhões que lhe são impostos pela ignorância e pela superstição, tornando-as facilmente domináveis" afirmando que "O pressuposto básico do Iluminismo afirma, portanto, que todos os homens são dotados de uma espécie de luz natural, de uma racionalidade, uma capacidade natural de aprender, capaz de permitir que conheçam o real e ajam livre e adequadamente para a realização de seus fins." (2007 – p.207)

Kant no prefácio à 1ª Edição da Critica da razão pura [23] dá sua resposta a pergunta: O que impede o homem de obter o conhecimento que necessita?

Nossa época é propriamente a época da crítica, à qual tudo tem de submeter-se. A religião por sua santidade, e a legislação, por sua majestade, querem comumente esquivar-se dela. Mas desse modo suscitam justa suspeita contra si e não podem ter pretensões àquele respeito sem disfarce que a razão outorga àquilo que foi capaz de sustentar seu exame livre e público. (Kant CRP - Apud. Marcondes – 2007 p.207-208).

É justamente o "exame livre e público" do conhecimento disponível proposta pelos iluministas francesas que é garantem a liberdade e autonomia do homem rumo à perfeição e, portanto, a construção de uma sociedade baseada na liberdade e na igualdade.

b) Na sociedade, a moral, a igualdade, a liberdade e a autonomia individual.

Para Kant a sociedade composta de homens esclarecidos abre a possibilidade da criação de uma sociedade moral baseada no livre e irrestrito uso da razão na esfera publica "o uso público da nossa razão deve a todo momento ser livre, e somente ele pode difundir o Esclarecimento entre os homens" (Kant – p3). Para Kant, não pagar impostos para não concordar com os mesmos, ou agir de qualquer forma contra a ordem da sociedade pode ser considerada crime e, até sujeitar o homem a uma punição, mas, não lhe tire o direito de uma opinião particular (o uso da razão privada), mas isso deve ser restrita a manifestações eruditas em momento oportuno e não ser motivo de escândalo público. Da mesma forma um soldado pode não concordar com as razões que provocaram a batalha na qual esteja lutando, mas, no momento da batalha ele deve suspender temporariamente sua razão pessoal e obedecer a seu comandante em nome da razão pública (coletiva).

Enquanto Kant respondia que a humanidade vivia num a época de esclarecimento.

Quando se pergunta, portanto; vivemos atualmente numa época esclarecida? A resposta é: não, mas numa época de esclarecimento. Muito falta ainda para que os homens, no estado atual das coisas, tomados conjuntamente, estejam já num ponto em que possam estar em condições de se servir, em matéria de religião, com segurança e êxito, de seu próprio entendimento sem a tutela de outrem. Mas que desde já, o campo lhes esteja aberto para mover-se livremente, e que os obstáculos à generalização do Esclarecimento e à saída da minoridade que lhes é auto-imputável sejam cada vez menos numerosos, é o que temos signos evidentes para crer (Kant –p.7).

Rousseau e os iluministas franceses eram da opinião que a humanidade já possuía todo o conhecimento necessário para a constituição de uma sociedade perfeita. Junto com a noção da perfectibilidade do homem chegava à certeza do sucesso do desenvolvimento social e científico da sociedade. Embora partindo de pontos diferentes os iluministas franceses e Rousseau, visavam o mesmo resultado o homem livre vivendo numa sociedade livre da opressão.

Enquanto a maioria dos pensadores iluministas afirmou o homem esclarecido através da filosofia, da ciência, e da educação que foram dadas a tarefa de remover os obstáculos (fato confirmado nas obras de Voltaire e Diderot), pronto para transformar a sociedade, Kant falava de um processo de esclarecimento e Rousseau afirmava que a criança nasce boa, mas é corrompida pela sociedade, para ele a resposta para o aperfeiçoamento da sociedade, proposta no livro Emílio, é coisa do futuro é também um processo. A resposta é o isolamento das crianças para educação e a reinserção delas na sociedade na fase adulto, somente elas terão alcançado a perfeição necessária para mudar a sociedade.

5. Conclusão:

A filosofia moderna coloca a razão, sujeito a exigências da fé na idade média, em liberdade e por fim à dependência do ser humano possibilitando seu esclarecimento, colocando o conhecimento ao seu alcance. Representa (na Europa ocidental) uma retomada do pensamento da antiguidade e libertação do conhecimento do controle da igreja poderosa dispensadora da graça divina na idade média.

Embora represente um retorno do pensamento racional à supremacia, e, em particular um novo olhar ao pensamento platônico, a filosofia moderna em declarar que o conhecimento é acessível e alcançável a todos e não faz separação entre o mundo sensível das coisas e o mundo intangível das ideias. Na antiguidade Platão e Aristóteles visaram à formação de uma sociedade perfeita e feliz através da ação conjunta em prol do bem comum (ação política) na polis. Os habitantes da pólis foram considerados homens esclarecidos, esse esclarecimento foi reservado apenas os cidadãos gregos, não foram incluídos as mulheres, as classes trabalhadoras e muito menos os escravos. A filosofia moderna e o iluminismo não restringiam o conhecimento a uma elite social, religiosa ou intelectual, o colocaram ao alcance de todos que desejavam sair da minoridade, da dependência do tutelar de outros. A sociedade moderna (perfeita) seria o resultado do esclarecimento de todos.

Finalizei a introdução desse texto perguntando se essa época da jornada humana pode ser considerada de fato, como interpretada posteriormente pelos historiadores, uma viagem das trevas à luz ou deve ser interpretado como curso natural das coisas à luz do crescer do conhecimento humano?Estou da opinião que a interpretação retrospectiva é falível, porque sempre apresenta a coloração da opinião pessoal do interprete e a própria história nos mostra que, mesmo com todo o esclarecimento da idade moderna a sociedade está longe de romper todas as trevas da ignorância e da opressão. Mesmo não considerando a passagem um rompimento radical, é claro que os efeitos na caminhada do ser humano rumo ao conhecimento pleno foram grandes. Para mim, os pensadores modernos, os radicais iluministas fizeram sua parte da caminhada da humanidade, são responsáveis em grande parte pelo despertar política na Europa, o desenvolvimento científico e principalmente por disponibilizar a população em geral, conhecimento ora restrito aos eruditos.

Referências Bibliográficas:

1.ABBAGNANO, Nicola – História da Filosofia, vol. VI. Lisboa -1970: Editorial Presença. Versão eletrônica:

http://www.4shared.com/file/41469479/2b8af9b8/Nicola_Abbagnano_-_Historia da filosofia_06.html – Acesso em 31.08.2009.

2.CHAUÍ, Marilena Convite à Filosofia –Editora Ática -13ª ed. 2006.

3.Dados biográficos -

http://www.suapesquisa.com - acesso em 06/09/2009 e 13/09/2009

http://www.mundodosfilosofos.com.br - acesso em 06/09/2009

http://educacao.uol.com.br/biografias - acesso em 07/09/2009

http://www.e-escola.pt/personalidades - acesso em 07/09/2009

4.KANT, Immanuel – Resposta à pergunta: O que é o Esclarecimento? – Tradução – Luiz P. Rouanet. Disponível em http://br.geocities.com/eticaejustica/esclarecimento.pdf - Acesso em 06/09/2009

5.MARCONDES, Daniel – Iniciação à História da Filosofia – Rio de Janeiro – Editora Jorge Zahar 11º Ed. – 2007.

6.PANSARELLI, Daniel et. al. – Conhecimento e Metafísica: do Iluminismo à Atualidade: Leitura de Filosofia. – São Bernardo do Campo, UMESP – 2009.

[1] (1473-1543) Nicolau Copérnico nasceu em Torun, Polônia, estudou em Cracóvia, Bolhonha, Pádua e Ferrara laureando se em direto canônico em 1503. Obra mais importante De revolutionibus orbium coelestrim.

[2] Principalmente na obra O Príncipe.

[3] (1452-1519) Artista italiano, filho ilegítimo de Pedro da Vinci com uma camponesa chamada Caterina, Leonardo Da Vinci foi um dos mais importantes pintores doRenascimentoCultural e passou seus últimos anos na França numa casa cedida pelo rei Francisco I. É considerado um gênio, pois se mostrou um excelente anatomista, engenheiro, matemático músico, naturalista,arquiteto, inventor e escultor. Seus trabalhos e projetos científicos foram registrados, muitas vezes em código, em livros de anotações, e foi como artista que conseguiu o reconhecimento e o prestígio das pessoas de sua época.

[4] Grande Físico,Matemáticoe Astrônomo, Galileu Galilei nasceu na Itália no ano de 1564. Durante sua juventude ele escreveu obras sobreDantee Tasso.Descobriu a lei dos corpos e enunciou o princípio da Inércia. Foi um dos principais representantes doRenascimentoCientífico dos séculos XVI e XVII.

[5] (1561-1626) Francisco Bacon o iniciador do Empirismo inglês nasceu numa família que servia a família real, eu pai sendo tutor chefe do jovem Edward VI. Bacon estudou em Cambridge e Paris e iniciou carreira como político e jurista no reinado da Elizabeth I. Sua posição filosófica apelou para a metafísica tradicional, grega e escolástica, aristotélica e tomista.

[6] (1596-1650) René Descartes nasceu em La Haye, França e estudou no então famoso colégio jesuita La Fleche. Decepcionou-se com a Filosofia Escolástica que não o levava a nenhuma verdade indiscutível "Não encontramos aí nenhuma coisa sobre a qual não se dispute". Só nas matemáticas encontrou as verdades absolutas: "As matemáticas agradavam-me sobretudo por causa da certeza e da evidência de seus raciocínios". Dedicou-se na aplicação do mesmo rigor ao pensamento racional e desenvolveu seu próprio método científico a ser aplicado para provar a veracidade dos fatos apresentados.

[7] (1724-1804) Filosofo alemão, Immanuel Kant, nasceu e morreu na cidade de Königsberg. Depois de um longo período como professor secundário, começou em 1755 a carreira universitária ensinando Ciências Naturais. Em 1770 foi nomeado professor catedrático da universidade de Königsberg, levando uma vida dedicada aos estudos filosóficos. Realizou numerosos trabalhos sobre ciência, física, matemática, etc. É conhecido pelo desenvolvimento do idealismo transcendental, da filosofia moral e uma teoria sobre o desenvolvimento do sistema solar.

[8] http://www.suapesquisa.com/leonardo/- Acesso 06/09/2009

[9] Disponível no UMESP:AVA – Atividades Complementares – seu espaço de compartilhamento sócio-cultural.

[10] (1632-1704) JohnLockefoi filho de um advogado que lutou com os Parlamentaristas na Guerra Civil Inglesa. Foi aluno da famosa escola de Westminster e estudou filosofia, ciências naturais e medicina na Universidade de Oxford. Em 1665 foi enviado para Brandenburgo como secretário de legação e mais tarde para a França no serviço do Lord Shaftesbury onde conheceu as personalidades da cultura francesa do"grand siècle". Em 1683 refugiou-se na Holanda, onde participou no movimento político que levou Guilherme de Orange ao trono da Inglaterra. De volta à pátria dedicou-se aos estudos filosóficos, morais, políticos.

[11](1711-1776) David Hume nasceu na Escócia, em Edimburgo e pertencia a uma família abastada. Fez bons estudos no colégio de Edimburgo - um dos melhores da Escócia, em seguida transformado em universidade -, cujo professor de "filosofia", isto é, de física e ciências naturais, Stewart, era um cientista discípulo de Newton. Hume quis ser o Newton da psicologia. O subtítulo de seuTratado da Natureza Humanaé, nesse sentido, bastante esclarecedor: "Uma tentativa de introdução do método de raciocínio experimental nas ciências morais"

[12] Citação extraída da tele aula do dia 25/08/2009 – Prof. Daniel Pansarelli.

[13] Embora reconhecida a influência do pensamento Iluminista na sociedade de vários países entre eles os EUA e "Declaração de Independência" de 1776 a ênfase e a exemplificação no presente texto será do efeito do Iluminismo Francês.

[14] (1694-1778) Voltaire era o pseudônimo de François-Marie Arouet, importante escritor e filósofo nasceu e morreu na cidade de Paris. Membro de uma família nobre francesa estudou em colégio jesuíta onde aprendeu latim e grego. Influenciado por Isaac Newton e John Locke Escreveu diversos ensaios, romances, poemas e até peças de teatro. Defendia as liberdades civis (de expressão, religiosa e de associação) e foi um defensor do livre comércio, contra o controle do estado na economia.

[15] 1713-1784 Denis Diderot. Educado em colégio de jesuítas, recebe sólida instrução humanística. Em 1732 instala-se em Paris e ganha a vida como tradutor. Depois, dedica-se à direção editorial da Enciclopédia. Diderot, como iluminista, tinha fé no progresso contínuo e certeza de que a chave para decifrar os enigmas do mundo estava com a ciência. Ele manteve a opinião que a religião deve exercer apenas a tarefa de colocar regras para o comportamento prático do homem e a tarefa de eliminar as desigualdades seria da política e da arte enquanto na tecnologia residia o futuro econômico da sociedade.

[16] sendo um dos fatores fomentadores da Revolução Francesa.

[17] Nome dado por Voltaire aos Doutores Teológicos os Escolásticos da Idade Média.

[18] 1717-1783 Jean Le Rond d'Alembert. D'Alembert estudouteologianoCollège des Quatre Nationse formou-se em Direito, depois descobriu a sua vocação para aMatemáticae Física e fez importantes contribuições às pesquisas nos campos de mecânica e astronomia.Foi membro da Académie des Sciencese daAcadémie Française, de que foi eleito secretário perpétuo em 1752. Foi amigo e correspondia regularmente com renomados iluministas como Voltaire e Rousseau

[19] A publicação da Enciclopédia foi um importante passo na preparação ideológica para a Revolução Francesa

[20] Sinônimo do ser humano.

[21] (1712-1778) Jean-Jaques Rousseau – Nasceu em Genebra, Suíça e morreu na Ermeoville, França. Embora Suíço, sua filosofia influenciou a revolução francesa. Após perder os pais estudou numa rigorosa escola onde desenvolveu grande interesse na literatura a na música. Ainda jovem foi morar em Paris teve contatos com a elite intelectual da cidade. Ao convite do Diderot escreveu alguns verbetes para a Enciclopédia. Em 1762 suas obras foram consideradas uma afronta aos costumes morais e religiosos, ele começou a ser perseguida na França. Foi primeiramente para Neuchâtel, Suíça e em 1765, convidado por David Hume, foi morar na Inglaterra, voltando à França em 1767. Escreveu, além de estudos políticos incluindo sua obra principal Do Contrato Social, romances e ensaios sobre educação, religião e literatura.

[22] http://www.suapesquisa.com/biografias/rousseau.htm



Leia mais em: http://www.webartigos.com/articles/26628/1/FILOSOFIA-MODERNA/pagina1.html#ixzz1UGKzusC4

quarta-feira, 13 de julho de 2011

SINTESE DO TRABALHO DE FILOSOFIA JURIDICA

A Era do Direito de Norberto Bobbio


Tópico I: O estudo de Norberto Bobbio é designado na tarefa das ciências históricas e sociais. O problema filosófico do direito do homem, não pode ser dissociado do estudo dos problemas históricos, sociais, econômicos, psicológicos inerentes à sua realização. O problema dos fins não pode ser dissociado dos problemas do meio, isto significa que o filosofo não está sozinho.

Top II: A declaração Universal iniciou a fase de processo da conversão universal dos direitos naturais em direito positivo. Como se fosse para implementar medidas eficientes para sua garantia, o que caracterizam o nascimento do Estado Moderno. Teve o seguinte movimento dialético:
a) Começo da universalidade abstrata dos Direitos Naturais;
b) Particularidade concreta do Direito Positivo;
c) Universalidade abstrata e concreta do Direito Positivo e Universal.

Top III: No preâmbulo da declaração Universal, é indispensável que os Direitos do Homem sejam protegidos por normas jurídicas, se se quer evitar que o homem seja obrigado a recorrer, como última instancia as rebeliões contra a tirania e a opressão.

Top IV: Na Declaração Universal dos Direitos do Homem, é eco uma hipótese: “todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos”, corroborando (confirmando) a idéia de Rousseau em O Contrato Social, que afirma a Declaração conserva apenas um eco (hipótese), porque os homens de fato, não nascem livres e nem iguais.

Top V: O segundo momento da historia da Declaração Universal dos Direitos do Homem, consiste na passagem da teoria à prática. Os Direitos do Homem ganhou em concreticidade, mas perde em universalidade, pois valem somente no âmbito dos Estados que o reconhecem.

Top VI: Quanto mais o Governo for autoritário em relação à liberdade dos seus cidadãos, tanto mais será libertatório em fase de autoridade internacional. As duas formas de controle social, a influência e o poder.

Top VII: O exemplo da Convenção européia ensina que as garantias internacionais são mais evoluídas que as garantias nacionais, mas nem por isso, menos necessárias. Encontramos mais hoje numa fase em que, com a tutela internacional dos Direitos do Homem além das dificuldades jurídicos-políticos, a tutela dos direitos do homem vai de encontro ao proprio conteúdo deste direito, o direito abstrato já não existe mais.

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Sócrates e Platão: Precursores do Espiritismo
Sérgio Biagi Gregório

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Contexto Histórico. 3. Biografia: 3.1. Sócrates; 3.2. Platão. 4. Princípios Comparados (Doutrina): 4.1. Deus; 4.2. Alma; 4.3. Reencarnação. 5. Princípios Comparados (Moral): 5.1. Justiça; 5.2. Riqueza; 5.3. Máximas. 6. Codificação do Espiritismo. 7. Conclusão. 8. Bibliografia Consultada.

1. INTRODUÇÃO

O objetivo central deste estudo é mostrar que a idéia espírita é tão velha quanto o próprio tempo. Já na Antigüidade podemos perceber o clarão dessas verdades eternas. Perguntaríamos: quem foi Sócrates? E Platão? Em que as idéias de Sócrates e Platão se assemelham às do Espiritismo?

2. CONTEXTO HISTÓRICO

A religião empresta as primeiras explicações a respeito da criação do homem e do cosmos: é clássico o relato bíblico sobre Adão e Eva, o primeiro casal a habitar a Terra. A China milenar, com sua filosofia de vida, discute normas de comportamento: no taoísmo há diversas noções sobre a arte de viver. A Grécia, palco da filosofia, elabora o pensamento: o logo e o ratio estão sempre em ação.

Antes de Sócrates, as indagações dos primeiros filósofos referem-se ao Cosmo. Questiona-se se o elemento primordial da vida é água, o ar, o fogo ou a Terra. A vinda de Sócrates muda o eixo da filosofia: o homem volta-se para dentro de si mesmo, através da maiêutica, do conhecimento de si mesmo.

Platão, discípulo de Sócrates, dá continuidade ao método socrático, aperfeiçoando-o. Depois de Platão surgiu Aristóteles. E assim poderíamos ir arrolando os diversos filósofos até chegarmos à época atual.

3. BIOGRAFIA

3.1. SÓCRATES

Nascimento/morte:
(470/399 a. C.)

Filiação:
mãe – Fenarete (parteira)
pai – Sofronisco (escultor)

Profissão:
(escultor?)

Vida familiar:
desposou Xantipa – três filhos (?)

Vida política:
tomou parte em três campanhas militares.

Caráter:
paciência, simplicidade e domínio de si próprio a toda a prova.

Ensinamento:
Ágora (praça pública) – missão divina de educar – daimon

Filosofia:
“Conhece-te a ti próprio”, apoiado pela maiêutica.


3.2. PLATÃO

Nascimento/morte:
(427/347 a C.)

Filiação:
pai: Ariston
mãe Perictione
pertencia a uma das mais nobres famílias atenienses

Nome:
Aristocles, mas devido a sua constituição física, recebeu o apelido de Platão, que em grego significa de ombros largos.

Trajeto:
discípulo de Sócrates. Depois da morte de seu mestre, empreendeu várias viagens. Retornou a Atenas, em 387 a. C., e fundou a Acadêmia.

Filosofia:
teoria das idéias, ou como se desenvolve o conhecimento.

Obras escritas:
A República, As Leis, O Político.


4. PRINCÍPIOS COMPARADOS (DOUTRINA)

4.1. DEUS

Para Sócrates, Deus é uma inteligência onipresente, onisciente, onipotente, absolutamente invisível ao homem. Deriva a prova da existência de Deus da finalidade do mundo. A ordem cósmica (o providencial de acontecer) é obra de um Espírito inteligente e não do acaso.

Para o Espiritismo, Deus é a inteligência suprema, causa primária de todas a coisas. Seus atributos são: eterno, imutável, imaterial, único, todo-poderoso e soberanamente justo e bom. Para crer em Deus é suficiente lançar os olhos às obras da sua Criação. Não há efeito sem causa. Se o efeito é inteligente a causa também o é.

4.2. ALMA

Para Sócrates, a alma participa da natureza divina e é dada por Deus ao homem; a vida não depende do corpo, depende da alma; através da união da alma ao corpo, a alma se macula, e só reconquista sua pureza pela libertação do corpo.
Para Platão o homem é a união da alma e do corpo. A alma é a essência do corpo, e tem a natureza das idéias. Alma é o princípio do movimento e da vida, portanto imortal.
Classifica-a em:
Alma racional – alma-cabeça;
Alma passional – alma-peito;
Alma apetitiva – alma-ventre.

Para o Espiritismo, a alma é o Espírito encarnado. Para progredir no mundo material, une-se ao princípio vito-material do gérmen, e sofre todas as limitações que a matéria impõe ao Espírito imortal.

4.3. REENCARNAÇÃO

Para Platão, se a alma, quando penetra o corpo, não busca manter sua pureza, quando morre o corpo, não retornará ao mundo das idéias, mas estará sujeita à transmigração para outro corpo de homem ou animal (metempsicose), segundo as predileções que tenha manifestado.

Para o Espiritismo, a alma, quando não atinge sua evolução espiritual completa, entra no mundo espiritual denominado de erraticidade, e espera por uma nova oportunidade de voltar a este mundo. A reencarnação num corpo material é uma conseqüência da impureza da alma.

5. PRINCÍPIOS COMPARADOS (MORAL)

5.1. JUSTIÇA

Sócrates e Platão tratam constantemente da purificação da alma.
Platão nos diz que para cada parte da alma há uma virtude:
Alma racional – sabedoria;
Alma passional – coragem, fortaleza;
Alma apetitiva – temperança.
A justiça engloba todos esses tipos de alma – requisitos essenciais para a harmonia do ser e, por conseguinte, para a felicidade. Quem pratica uma injustiça deve ser punido e a pena, a expiação, é a purificação (catharsis), ou seja, a libertação do mal anterior.

Para o Espiritismo, a Lei de Amor, Justiça e Caridade é a mais importante das leis naturais, porque resume todas as demais e dá-lhe suporte. O Código da Vida Futura segundo o Espiritismo pode ser resumido em: arrepender-se, sofrer e reparar o mal (injustiça).

5.2. RIQUEZA

Para Sócrates e Platão, a riqueza é um grande perigo. Todo homem que ama a riqueza não ama nem a si, nem o que está em si. O apego aos bens materiais é perda da alma.

Para o Espiritismo, a riqueza é uma prova mais difícil do que a pobreza, porque pode provocar o apego aos bens materiais, e dificultar o acesso aos bens espirituais.

5.3. MÁXIMAS

Sócrates e Platão: “É pelos frutos que se reconhece a árvore”.
Espiritismo: encontra-se textualmente repetida nos Evangelhos;

Sócrates e Platão: “A virtude não se pode ensinar; ela vem por um dom de Deus àqueles que a possuem”.
Espiritismo: evoca os esforços para conquistá-la.

Sócrates e Platão: “É uma disposição natural, em cada um de nós, aperceber-se bem menos dos nossos defeitos que dos de outrem”.
Espiritismo: o Evangelho diz: “Vedes o argueiro no olho do vosso vizinho, e não vedes a trave que está no vosso”.

6. CODIFICAÇÃO DO ESPIRITISMO

Sócrates, quando ensina nas praças públicas, lança as sementes da maioridade terrestre, o formoso ideal da fraternidade e da prática do bem.
Jesus, cinco séculos depois, vem ensinar o “Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo”.
Depois de Jesus tivemos os contributos de São Francisco de Assis, Santo Agostinho, Descartes, Kant, Espinosa, Barret, Crookes e outros.
Em 31 de março de 1848 originou-se um marco importante na história do Espiritismo: o Fenômeno de Hydesville.
Em 18/04/1857, com o lançamento de O Livro dos Espíritos, Kardec fornece ao mundo o embrião da Doutrina dos Espíritos.
Nos 145 anos que se sucederam à codificação, muitas obras espíritas vieram à luz para elucidar os vários aspectos da Doutrina.
Esses pensadores e médiuns espíritas não só complementaram obra magnífica de Allan Kardec como também procuraram divulgá-la mais de acordo com as necessidades de compreensão dos homens da atualidade.

7. CONCLUSÃO

Uma idéia não vem à tona de uma hora para a outra. É preciso preparar os ânimos. Vimos que a idéia espírita já fora veiculada por várias personalidades. Chegara o momento em que tudo o que estava velado deveria vir à luz. É nesse momento que surge Allan kardec para nos organizar o edifício da fé cristã, corroída pelo dogmatismo religioso.

8. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

BRUN, J. Sócrates. Lisboa, Dom Quixote, 1960. (Coleção Mestres do Passado, n.º 9).
KARDEC, A. O Evangelho Segundo o Espiritismo. 39. ed., São Paulo, IDE, 1984.
KARDEC, A. O Livro dos Espíritos. 8. ed., São Paulo, FEESP, 1995.
SANTOS, M. F. dos. Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais. 3. ed., São Paulo, Matese, 1965.

São Paulo, setembro de 1995

fonte: http://www.ceismael.com.br/filosofia/socrates-platao-precursores-espiritismo.htm

sexta-feira, 1 de julho de 2011

A TOLERÂNCIA EM NOBERTO BOBBIO

Silvania Mendonça Almeida Margarida

A tolerância é uma forma de persuasão. A persuasão pode se tornar de forma legislativa e costumeira a confirmação dos direitos do homem. A persuasão são o convencimento e a capacidade de que o homem é capaz de exercer plena democracia na sociedade atual. Ligar-se a ela e fazer valer os seus direitos históricos, sociais, psicológicos e tecnológicos. Os direitos do homem, segundo Bobbio, os juristas colocam o problema do direito a partir do ponto de vista do direito positivo enquanto os filósofos colocam a questão a partir da racionalidade e do aspecto crítico. O convencimento à tolerância pode ser positivo ou negativo. Intrinsecamente ligada aos direitos humanos, Norberto Bobbio traz à baila toda a problematização do Direito ao longo da História. A pessoa consegue se identificar a partir do sentimento de pertencer a uma organização social, num tempo e espaço identificáveis, ao que se pode acrescentar à necessidade de conferir um sentido de continuidade histórica, de locus, relacionado à necessidade de restabelecer um sistema estável. Ser “Tolerante” com o fortalecimento da identidade individual e coletiva, permite a ‘religação social’, para a qual são necessárias a peculiaridade cultural do grupo e a identificação pessoal. A partir da identidade social entendida como um conjunto de marcas sociais, a tolerância e intolerância posicionam uma pessoa em um mundo social determinado, fazendo deste indivíduo o cidadão que irá enfrentar os deslizes da intolerância ou os matizes da verdade. Para Kant, estudioso citado por Bobbio, a tolerância é a verdade. E a tolerância é amena, frutífera e eficaz. Traz modificações nos contextos sociais e aumenta o direito do homem. A intolerância será “ou a erva daninha” ou a diretriz positiva quando algo fere o direito na suas situações sociais mais inusitadas. O homem é que determinará a tolerância positiva ou a intolerância positiva. O homem também será ou não efetivado frente à tolerância negativa ou intolerância negativa. Dependerá, exclusivamente, do exemplo fático e histórico.

É a intolerância que conduz à tolerância, quando numa sociedade se difundem as ideias de que aquelas formas de discriminação não são corretas. A luta acaba, portanto, por criar uma consciência social sobre a justiça dos direitos alheios.
Ao nos referirmos em exemplos, podemos elucidar um excelente exemplo da tolerância positiva, qual seja: o sistema de governo democrático, de onde o poder emana do povo e volta ao povo. Sempre os povos terão em suas mãos o poder de liberdade da sua nação. Estamos aqui citando a verdadeira democracia e a cidadania, a individualidade de cada ser pensante no exercício do poder de liberdade, igualdade e fraternidade entre povos. A tolerância negativa, por outro lado, tem exemplos escusos e obscuros, e podemos destacar a educação, e sua depreciação dos livros didáticos e os erros gramaticais. Esta é uma tolerância negativa, quando professores aceitam o erro do livro didático no Brasil e não se debelam. Sobre a intolerância positiva, é impossível tolerar erros médicos em práticas escabrosas que tem a ver com a saúde e com bem-estar do cidadão. Sabemos que devemos ser intolerantes aos erros médicos e a outros erros que acontecem no dia a dia, pois podem ferir o verdadeiro sentido da cidadania. Politicagem é outro exemplo. Para a intolerância negativa, elucidamos a falta de moral de empresários que investem em empresas fantasmas para burlar o fisco e sonegar impostos. Ou seja, tudo que seja reprovável torna-se uma intolerância negativa e perigosa às manifestações do pensamento humano.

Ao se posicionar a história dos direitos do homem fatos são marcantes para Norberto Bobbio. Ao se postular sobre a tolerância, Bobbio afirma que a tolerância é o ato de convivência e aceitação de opiniões diversas nas diferenças culturais, religiosas e políticas. A intolerância deriva da convicção que o indivíduo tem de possuir preconceitos, opinião ou conjunto de opiniões que são acolhidas de modo acrítico passivo pela tradição, pelo costume e por uma autoridade cujos ditames são aceitos sem discussão. Ao se falar em tolerância positiva, Bobbio acredita que essa respeita as diferenças existentes entre homens, havendo sempre uma questão de intimidade e verdade. Para a tolerância negativa e não que traz preceitos benéficos para a humanidade, há sempre o interesse mesquinho e a conivência. Falar em intolerância negativa é ser condescendente com erro humano, ao contrário da intolerância positiva que não é condescendente com o erro do homem.

A convicção íntima, para Norberto Bobbio é a melhor forma de exercer a tolerância, pois ela se torna um bem elevado, socialmente útil, politicamente correto, trazendo sempre consigo o dever ético. Não é cética, respeita a verdade, não é indiferente e respeita a verdade do outro. A verdade não pode ser captada por um intelecto sem luz e não poderá triunfar sem as forças externas dos direitos fundamentais.
Quem crê na bondade da tolerância o faz não apenas porque constata a irredutibilidade das crenças e opiniões, aceitando a fecundidade das manifestações sociais do pensamento humano. Ser tolerante é a melhor forma de liberdade, mas uma liberdade sem protecionismo e que é capaz de se expandir e se isentar dos perigos. Não deve, segundo Bobbio, responder ao intolerante com intolerância, pois é algo reprovável e eticamente pobre.

Em outro trabalho direcionado ao Professor Jeovani, com base em Bobbio, conseguimos fluir o seguinte pensamento:

Por fim, há uma razão moral em favor da tolerância: o respeito à pessoa alheia. Trata-se de um agitação e conflitos entre ensejo teórico e ensejo prático, ou melhor dizendo, entre a razão prática e a razão teórica, entre aquilo que se deve fazer e aquilo que se deve crer. Ao lado dessas doutrinas que consideram a tolerância do ponto de vista da razão prática, há outras que a consideram do ponto de vista teórico, segundo as quais a verdade só pode ser alcançada através da síntese de verdades parciais. Sustentam ainda que a verdade não é una e que a tolerância é uma necessidade inerente à própria natureza da verdade.
O autor ampara que a tolerância sempre é tolerância em face de alguma coisa e exclusão de outra. O ponto central da tolerância é a consideração do direito de conviver igualmente, do direito ao erro de boa-fé. Aduz, ainda, que um intolerante perseguido e excluído jamais se tornará um liberal (MARGARIDA, Silvânia et al, Trabalho Acadêmico, FAMIG)

A questão da fundamentação filosófica dos direitos do homem não pode ser dissociada dos problemas históricos, sociais, econômicos, psicológicos que envolvem a tolerância/intolerância. Bobbio conclui que entre a teoria e a prática da tolerância em uma direção e do outro lado o espírito laico, apreendido como a formação de uma mentalidade, há sempre uma razão que une todos os homens.


Referência

BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. 8.ed. São Paulo: Campus Elsevier. 2004.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

A Eficácia horizontal dos direitos fundamentais e a funcionalização do Direito

Rodrigo Andrade de Almeida[1]

INTRODUÇÃO

O tema da eficácia horizontal dos direitos fundamentais é hodiernamente recorrente nos manuais de direito civil, assim como em recentes obras dedicadas ao estudo do neoconstitucionalismo e de teoria do direito. No Brasil, as discussões acerca do assunto tiveram início com a promulgação da Constituição Federal de 1988, e se intensificaram a partir da edição do Código Civil, em 2002.Não obstante a relativa novidade do tema entre nós, sua discussão está inserida no bojo de um amplo movimento teórico iniciado na Europa, pouco depois do fim da Segunda Grande Guerra, e traz à tona, dentre outras coisas, antigas questões de filosofia do direito, como as relações entre o direito e a moral e a dicotomia entre direito público e direito privado.O presente artigo tem, portanto, como objetivo, apresentar algumas possíveis relações existentes entre o chamado movimento de funcionalização do direito, a relativização da dicotomia entre direito público e direito privado e a questão da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, e analisar se esta última pode ser considerada uma teoria ou uma ideologia do direito.

1. A FUNCIONALIZAÇÃO DO DIREITO E A RELATIVIZAÇÃO DA DICOTOMIA ENTRE DIREITO PÚBLICO E DIREITO PRIVADO

A chamada funcionalização do direito é um fenômeno que guarda estreita relação com a mitigação da dicotomia entre direito público e privado, uma vez que é aquela a causa desta. Tal dicotomia é antiga: data do direito romano e sua teorização deve-se ao jurisconsulto Ulpiano, por volta do século II da Era Cristã.[2]

Já nos séculos XVII e XVIII, a dicotomia entre o direito público e o direito privado foi retomada, sobretudo a partir da obra de John Locke, com o objetivo de construir uma teoria liberal do Estado que assegurasse ao indivíduo o pleno exercício de sua autonomia privada, garantido por um Estado mínimo constitucionalizado. O indivíduo, segundo essa visão, é possuidor de uma série de direitos inatos que, no estado de natureza, não têm efetividade, por não existir uma organização supra-individual que garanta sua observância pelos demais. Assim, no contratualismo de Locke, os indivíduos teriam constituído a sociedade civil exatamente com o fito de dar efetividade aos direitos naturais; a sociedade constituída, portanto, seria composta de duas dimensões: uma pública e outra privada.A dimensão pública seria formada pelo Estado, e teria como estatuto jurídico a Constituição, entendida como uma mera carta política, que teria como finalidades definir a estrutura do Estado e elencar os direitos e garantias individuais.A dimensão privada seria formada pela autonomia da vontade, tida como a ampla esfera das liberdades individuais, que teria como estatuto jurídico o Código Civil, cuja finalidade seria regular toda a vida privada do indivíduo, desde antes do seu nascimento, até após a sua morte.

Essas duas dimensões eram tidas como absolutamente distintas uma da outra. A Constituição, enquanto estatuto jurídico do Direito Público, seria apta a regular tão-somente a relação do indivíduo com o Estado, e não teria nenhuma aplicabilidade nas relações entre os indivíduos; o Código Civil, por sua vez, era tido como uma verdadeira “constituição do direito privado”, em nada sofrendo interferências do direito público e do Estado.[3] É fácil perceber, diante disso, a força e intensidade da dicotomia entre o público e o privado a partir do século XVIII, e movimentos como o exegetismo francês, de inícios do século XIX, demonstram a supremacia do Código Civil como instrumento de normatização da vida privada naquela época.[4]

Para além da intensificação da dicotomia entre o direito público e o privado, a segunda metade do século XIX e a primeira metade do Século XX representaram a era áurea do positivismo jurídico, enquanto metodologia, teoria e ideologia do direito.[5]

Nesse sentido, a idéia de abordar o direito de forma neutra e excluindo de sua análise quaisquer valorações de cunho moral, político ou social ganhou adeptos em toda parte, não se podendo deixar de mencionar aqui o mais famoso ícone dessa teoria, o jurista austríaco Hans Kelsen.[6]

Ocorre que, com o fim da Segunda Guerra e com a derrocada do nazi-fascismo na Europa, parte dos teóricos do direito começou a se mostrar extremamente cética em relação à proposta metodológica juspositivista, e passou a considerar premente a necessidade de se levar em consideração aspectos morais na definição do próprio direito. Essa idéia tornou-se ainda mais difundida quando as novas constituições, surgidas do processo de redemocratização da Europa, passaram a incorporar, de forma explícita e enfática, as pautas morais de suas respectivas sociedades, em larga medida inspiradas pelas Declarações de Direitos da ONU e demais organismos internacionais. Diante disso, as sociedades ocidentais do pós-guerra chegaram à conclusão de que não basta dar ao direito uma forma; é necessário, ao lado disso, explicitar-lhe a função. É a partir dessa noção que se fala, hoje em dia, em “funcionalização do direito”.[7]

As constituições democráticas do pós-guerra, portanto, e no caso brasileiro a Constituição de 1988, ocupam-se não apenas da estrutura do Estado e do elenco de direitos e garantias fundamentais; disciplinam, interferem e impõem limites ao próprio exercício da autonomia privada. São célebres, no caso brasileiro, a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), o princípio da solidariedade (art. 3º, I), a função social da propriedade (art. 5º, XXIII e art. 170, III), além de inúmeros outros dispositivos que poderiam ser aqui citados.A partir de então tem-se uma Constituição que, além de carta política, consubstancia a pauta moral vigente na sociedade. A luta dos teóricos passa a ser, assim, torná-la efetiva. Em conseqüência, a pergunta que se coloca é a seguinte: como tornar efetiva a pauta moral vigente na sociedade e enunciada no texto constitucional?

Um primeiro passo no sentido de responder à pergunta posta é a adoção da perspectiva de ordenamento jurídico dinâmico de Kelsen, ou seja, a noção de hierarquia de normas, com o intuito de colocar a Constituição no topo do sistema, e submeter todos os ramos do direito, inclusive o direito privado, à principiologia constitucional. Essa é uma das dimensões do chamado neoconstitucionalismo, movimento teórico e político que caminha lado a lado com as teorias pós-positivistas.[8]

O Código Civil Brasileiro de 2002 adotou essa nova perspectiva, e incluiu em seu texto inúmeros princípios oriundos da sistemática constitucional, como a própria função social da propriedade, do contrato, boa-fé objetiva (e não mais subjetiva, como outrora), transformando-os em verdadeiros limites à autonomia da vontade, talvez o mais importante dogma do direito privado moderno.Ora, uma vez que se passou a ter, de um lado, normas de direito privado na Constituição e, por outro, normas de direito público no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor, tem-se uma mitigação da dicotomia entre o público e o privado, e uma relativização da distinção entre essas duas esferas.Partindo dessa premissa, tem-se hoje uma verdadeira revisita aos principais institutos do direito privado, no sentido de adequá-los à sistemática constitucional, sobretudo no que se refere à efetividade dos direitos fundamentais. Aqui é necessário fazer algumas considerações.

2. A EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Quando se fala em “direitos fundamentais”, a imagem que geralmente vem à mente é aquela de uma relação vertical entre o Estado e o indivíduo, ou seja, os direitos fundamentais são direitos que o indivíduo tem em face do Estado. Essa, pelo menos, é a noção clássica que se tem de direitos fundamentais, e quando se fala em “efetividade dos direitos fundamentais”, geralmente se está referindo a meios ou instrumentos capazes de fazer o Estado respeitar e tornar efetivos os direitos fundamentais titularizados pelo indivíduo.Não obstante essa clássica noção de direitos fundamentais, diante das transformações no direito privado referido acima, fala-se, hoje, em eficácia horizontal dos direitos fundamentais: o que isso significa, de fato?Em linhas muito gerais, o raciocínio é o seguinte: todos os direitos fundamentais decorrem, de alguma maneira, do princípio da dignidade da pessoa humana; se os direitos fundamentais refletem a pauta moral vigente na sociedade, então sua observância, respeito e efetividade não devem se restringir ao Estado, mas a toda e qualquer relação jurídica, seja ela de direito público ou de direito privado! Em outras palavras, isso significa que os direitos fundamentais devem ter uma eficácia vertical, nas relações do indivíduo com o Estado, e uma eficácia também horizontal, nas relações dos indivíduos entre si. Dito ainda de outro modo, o que se pretende é que, naqueles casos em que um contrato, por exemplo, viole direito fundamental de um dos contratantes, o Estado interfira nessa relação para salvaguardar a efetividade do direito fundamental violado. Há dois exemplos que ilustram essa situação.

O primeiro ocorreu na França. Uma casa noturna contratou anões, e os clientes, enquanto bebiam e dançavam, podiam “brincar” de arremessá-los de um lado a outro do recinto. A Autoridade Pública francesa interditou o estabelecimento, alegando que a prática feria a dignidade humana. Os anões recorreram, em litisconsórcio com o bar, alegando que concordavam com a prática e que viviam desse trabalho. Não adiantou.[9]

O outro exemplo ocorreu no Brasil. No Rio de Janeiro, uma associação de compositores resolveu expulsar um de seus membros. Ele propôs uma ação pedindo a anulação da expulsão, e o STJ julgou procedente o pedido, alegando que não lhe foi dado o direito à ampla defesa e ao contraditório, direitos processuais fundamentais.

A questão chega com tanta força no direito civil, que a doutrina já fala em função social da propriedade, da responsabilidade civil, da família, da empresa, e até mesmo em função social das sucessões. Muitos doutrinadores defendem que o paradigma jusprivatista mudou, deixando de ser patrimonialista pra se tornar personalista.[10]

O principal argumento que os teóricos utilizam pra fundamentar esse novo paradigma é a centralidade que assumiu no ordenamento jurídico o princípio da dignidade da pessoa humana. Assim, segundo eles, a dignidade humana seria o “princípio dos princípios”, o verdadeiro “norte axiológico” da Constituição e de todo o ordenamento jurídico, representando o mais fundamental dos valores e maior objetivo da sociedade brasileira, e das sociedades ocidentais de uma forma geral, já que a dignidade humana está presente em praticamente todos os sistemas jurídicos do Ocidente e nas principais declarações de direitos e tratados internacionais.Segundo esse argumento, portanto, todos os direitos fundamentais decorrem do princípio da dignidade humana, o que implica em admitir que o ser humano ocupa, assim, o centro de todo o ordenamento jurídico, estando acima de quaisquer interesses patrimoniais. CONCLUSÃO A proposta neoconstitucionalista parece interessante; contudo, do ponto de vista metodológico, não se pode deixar de reconhecer que só é possível admiti-la partindo-se de dois pressupostos: (1) a tese juspositivista da separação metodológica entre o direito e a moral deve ser afastada, e se torna admissível, e até mesmo desejável, para os teóricos que defendem essa teoria, que o sistema jurídico se comunique constantemente com o sistema moral; (2) como o conteúdo do princípio da dignidade humana é indefinido, é precisamente ele que deve servir como elo de ligação entre o direito e a moral, sobretudo no momento da aplicação do direito.Isso, por si só, é suficiente para gerar uma enorme polêmica em torno do tema, e a análise dos argumentos contrários e favoráveis à adoção dessas duas premissas extrapola os objetivos do presente trabalho.Não obstante, cumpre ressaltar que toda essa discussão somente se tornou possível, do ponto de vista teórico, diante da centralidade assumida pela Constituição no direito contemporâneo, e pela inclusão em seu texto de conteúdo eminentemente moral, com o intuito mesmo de transformar a Constituição em uma verdadeira pauta moral da sociedade e no norte axiológico de todo o ordenamento jurídico.Isso implicou incluir, no texto constitucional, normas de conteúdo tipicamente jusprivatista, o que contribuiu para mitigar a clássica dicotomia entre o direito público e o direito privado, fazendo com que o próprio Código Civil fosse “povoado” por normas de direito público.A discussão é interessante, e ainda relativamente recente, sobretudo no Brasil. Abre-se, assim, um campo bastante promissor para pesquisas, e a tendência, pelo menos pelo que indica a análise da doutrina mais recente, é a de que o debate cresça e se intensifique.

REFERÊNCIAS

BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. São Paulo: Ícone, 1995.
__________. Da estrutura à função: novos estudos de teoria do direito. Barueri: Manole, 2007.
CARBONELL, Miguel (org.). “Neoconstitucionalismo(s). 2.ed. Madrid: Trota, 2003.
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das obrigações. 3.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.
GILISSEN, John. Introdução histórica ao direito. 4.ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2003.
LOSANO, Mario G. Hans Kelsen: una biografía cultural mínima. in.: “Derechos y Libertades”. Revista del Instituto Bartolomé de las Casas, XIV. Madrid, 2005.

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[1]
Professor do curso de Direito do Centro Universitário Jorge Amado (UNIJORGE-BA); membro e professor orientador do Grupo de Pesquisas em Filosofia, Direito e Constituição (www.teoriadodireito.com.br); Advogado em Salvador (BA).
[2]