Poliscivita


POLISCIVITA é um blog que trata da filosofia geral, da filosofia jurídica e da sociologia de forma interdisciplinar. Junte-se a nós com seus comentários pertinentes.


quinta-feira, 27 de junho de 2013

CENSURA NA INTERNET

CENSURA NA INTERNET

Bruna Maraust
RESUMO

O texto apresentado tem como objetivo estudar a censura na Internet de forma genérica, levando em consideração a globalização do planeta, a rede mundial de computadores, a censura e o porquê da sua existência. Apresenta as relações do mundo virtual em alguns países do mundo e  o seu efeito nas redes sociais, assim como nos ambientes empresariais, nos ambientes escolares e até domésticos.


Palavras-chave: censura; Internet; empresa; globalização.


BREVE ESTA PUBLICAÇÃO ESTARÁ COMPLETA.
Esta pesquisa continua em sua publicação.





[1]      Disponível em: http://www.suapesquisa.com/internet/ Acesso em: 23 maio 2013.

sábado, 21 de julho de 2012

RELATOS LITERÁRIOS DE UMA NAÇÃO



 

silvania mendonça almeida margarida


1500.
2012.
O Brasil completou 512 anos.
1500.
Calmaria.
 Não foi por acaso  que as condições climáticas não favoreceram o destino previsto pelas naus portuguesas. Da Europa – Portugal –  vinha a semente fertilizada por séculos de cultura e experiência que, uma vez, ao abrigo da terra generosa, por certo, passaria da germinação aos frutos comprometidos  com o futuro  da Nação.
Um sopro lírico então inunda a terra recém-descoberta.  Amparado por um vento brando chega, progressivamente, ao amadurecimento do material estético, patrimônio dos nossos dias,  talvez com a mesma emoção primeira... com novas projeções,  como a absorção e a propensão à fantasia e novo estudo das características tropicais.  Em seguida, colhe-se a experiência dos relatos de viagens e a observação da nova terra que desabrocha.
Ali se encontra a nova nação, com novas imagens, novas tradições, com  crença em nova cultura.  Não importa a irregularidade da jornada, nem as lutas travadas entre a tradição importada e os recursos de cunho local.  Importa é a certeza do brilho do “Eldorado”, as paisagens exuberantes, os mitos significativos, o acervo da conquista  permanecem redivivos  como valores intrínsecos  na consciência nacional. Tudo continua presente, embora com roupagem nova, trabalhada e explorada por personalidades que buscam a originalidade temática no que se sacralizou na memória fazendo do patrimônio conhecido os desdobramentos sucessivos.
Kristeva postula que “todo texto é a absorção e transformação de  outro texto. Em lugar da noção de intersubjetividade, se instala a de intertextualidade e a linguagem poética se lê pelo menos como dupla.”
João Cabral de Melo Neto imprime nos fragmentos do poema que se segue a metáfora da formação literária  da  história do Brasil. Aponta este desdobramento conjunto do mito do descobrimento ao amadurecimento das linhas significativas no estuário do Modernismo.

...................................................................
que  com muitos outros galos se cruzem 
os fios do sol de seus gritos de galo,
para que a manhã desde uma teia tênue,
 se vá tecendo, entre todos os galos.
.....................................................................


E se incorporado  em tela, entre todos,
se erguendo tenda onde entrem todos,
no toldo (a manhã) que plana livre de armação.
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Chega a sondagem. Com ela a riqueza, as fontes, o preparo, as indagações... A energia criadora repousa, no entanto, na apresentação do homem inserido nesse contexto: de início, o bom selvagem. Outros e outros para o inventário da nação. Outros e outros se sucedem e incrementam a avalanche enriquecedora da imensa fila  entrando para o  patrimônio literário do país.
É o homem, sem dúvida, o sujeito de todo este processo, é a expressão de idéias, o agente lingüístico, a dinâmica da linha do tempo. No primeiro texto-documento sobre o Brasil -  Pero Vaz de Caminha  - o visionário predestinado chamou a atenção de Sua Majestade, Dom Manuel, Rei de Portugal,  -  para este valor inigualável.

 De ponta a ponta e toda praia...muito chão fértil e muito formosa (...). Nela até agora não pudemos saber que haja  ouro nem prata.
Porém a terra em si é de bons ares assim frios e temperados  como os de entre Doiro e Minho. Águas são muitas, infindas. E em tal maneira e graciosa que querendo aproveitar dar-se-á  nela tudo por bem das águas que tem, porém o melhor fruto que nela se pode fazer, me parece que seria salvar essa gente e essa deve ser a principal semente que Vossa Alteza em ela deve lançar.
(Final da Carta “Achamento do Brasil” de Pero Vaz de Caminha)



Na mais profunda emoção, Cassiano Ricardo  retoma o mito edênico do Brasil  na sua produção lírica. De um contexto histórico cultural à contribuição estética de hoje. Eis fragmentos do poema de Cassiano Ricardo onde são evidenciados  todo o contexto histórico e pictórico  da nação:

A terra é tão formosa
E de tanto arvoredo
tamanho e tão basto
que  o homem não dá conta.
...........................................
Tupis em alvoroço,
tribos guerreiras, mansas
troféus verdes na ponta
dos chuços e das lanças
Jequitiranabóias

.................................
agora se debruçam ,
reunidos, ombro a ombro,
sobre a Serra do Mar,
....................................

E em nome do seu povo,
sem saber se quem chega
é fidalgo, ou plebeu;
anjo de cor bronzeada,
....................................

  Como explicar que uma ave
de país tão agreste,
diga que bem me viu,
se tu, ó Pai Celeste,
....................................


No  século XVI, berço das raízes vivas confinadas na terra que não teve velórios... Confinadas, aguardando a detonação dos frutos  após uma germinação progressiva. De braços dados com o “Velho Mundo”  - tão apreciável – amparadas e envolvidas por uma proteção maternal, foi se soltando, bem devagar, passos firmes... E tudo teve um começo solene nas mãos de escritores comprometidos com a informação da terra projetada na objetiva que se revelou comprovadamente nos dias que se seguiram.
Os escritores dessa época, nascidos no Brasil ou em Portugal, revelam a formação reinol em suas culturas. Exprimem o momento colonial, influenciados pela cultura portuguesa, com as diferenciações bem definidas provocadas pela ambiência. Enquanto se estabelece o paralelismo: Brasil e Portugal, percebe-se ainda o sincronismo com as demais manifestações européias, contribuições de considerável valia (...).
Em reduzidas informações à respeito dos primeiros textos produzidos por aqui, além da “Carta do Achamento” , apresenta-se Pero Lopes de Sousa que se preocupou com os roteiros  de viagens entre Brasil\Portugal,  e vice versa Martim Afonso de Sousa. Pouco  se informou sobre a “terra”  a não ser quando faz referência a Pernambuco por ocasião das lutas entre contrabandistas de pau-brasil (franceses) e da fundação da vida de São Vicente e de Piratininga. Sem dúvida, a sua contribuição foi válida pelas informações apresentadas sobre a navegação marítima na obra Diário da Navegação.
Mas Pero de Magalhães Gândavo vai muito além. Apresenta uma obra de acentuada erudição. Inaugura e lança sugestões temáticas altamente significativas para a nova formação cultural. Tornou-se um elo Portugal\Brasil nos seus escritos, basta certificar-se que era conhecedor de Camões quando este autor é citado na dedicatória feita a Dom Leonis Pereira no livro História da Província de Santa Cruz a que Vulgarmente chamamos Brasil.
“Na fantasia camoniana o autor em sonho ouve de Apolo
Marte e Mercúrio o enaltecimento dos feitos de Dom Leonis
Apontando-o como pessoa a quem o livro deve ser dedicado.”
Nesta obra, Gândavo vive o entusiasmo e a admiração quando fala das condições promissoras da vida da nova terra: fartura, beleza, riquezas minerais, flora e fauna, principalmente da exaltação nativista que se definira  numa tentativa de criação poética e de possível cristianização.
Oswald de Andrade em Pau Brasil dedica um  capítulo a este escritor. Depreende-se portanto que Gândavo não ficou relegado ao esquecimento.
         .....................................................................
              As fontes que há na terra são infinitas
              Cujas as águas fazem crescer a muitos e grandes rios
             Que por esta costa
                             Assim da banda do Norte como do Oriente
              Entram no mar oceano.
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Como Gândavo, Gabriel Soares de Souza, 1587, apresenta uma obra substanciosa. Dá a conhecer as riquezas naturais da “terra”  bem como o povoamento em Tratado Descritivo do Brasil  e Notícias do Brasil.
Alerta este autor que são indispensáveis os estudos sobre a evolução da temática nativista. A atitude em relação ao índio deve merecer aprofundamento e respeito.  Em relação com a literatura indianista foi Gabriel Soares um precursor subsidiário  da futura linha indianista em Gonçalves Dias, Gonçalves de Magalhães, José de Alencar, Frei José de Santa Rita Durão e outros.
Ainda no século VI, encontra-se em José Anchieta o Grande Piahy: missionário, poeta, dramaturgo, educador que envergou a expressão máxima do escritor dessa época. Buscou na Idade Média o pensamento teocêntrico para a sua linha temática e muito das formas poéticas para a sua produção escrita, como  recursos aplicados à poesia. Na esteira do apelo metafísico, que significava a vivência de Deus, a condição humana, os valores do espírito e da fé cristã representadas por temas de sentimento, ou estados de alma, o escritor trabalha o conteúdo mais significativo de sua obra. A nação brasileira se torna uma sintonia, algo que aparece. 
Eduardo Portela ao argumentar sobre Anchieta afirma: “acredito que, em certo sentido, Anchieta deve ser entendido como uma  manifestação de cultura medieval no Brasil. É medieval não somente pelo seu comportamento ao realizar uma poesia simples, de timbre didático, porém medieval  também pela sua forma poética, seus ritmos, sua métrica.”
Percebe-se  que Anchieta centralizou a sua obra no homem, enquanto “ser” sujeito de um processo  pedagógico em que visava ao preparo espiritual e à educação do futuro da nação.
Apesar do reduzido público e do parco número de escritores brasileiros, os textos foram surgindo aqui  e ali. Não houve nos séculos XVII e XVIII uma  linearidade constante, nem o afloramento de estimável recurso básico que pudesse conotar-se  como literatura brasileira.  No entanto, os acontecimentos dessa época  não se esgotaram no tempo e no espaço. A linha européia, deixaram legados subsidiários, para  a história de nossa formação literária, ou seja, elementos que pudessem revigorar  a história literária, no acervo provindo do século anterior. Certamente ainda não havia o campo propício para considerável evolução...A consolidação da NAÇÃO estava por ser realizada – faltava-lhe a densidade necessária para um salto: faltava o impulso social, a sistematização da economia e equilíbrio demográfico, o que dificultava o avanço de um movimento próprio e autônomo.
Assim, são os primeiros textos literários,  esteios substanciais do ponto de partida para a história da nossa colonização e pós-colonização. São documentos que carregamos em nossa bagagem  cultural  como mensagens informativas que servem de arcabouços da  nossa gênese cultural. 
Ao mesmo tempo em que se procura o moderno, o original e  polêmico, o nacionalismo se manifesta em suas múltiplas facetas: uma volta às origens, à pesquisa das fontes quinhentistas, à procura de uma língua (a língua falada pelo povo nas ruas), as paródias, numa tentativa de repensar a história e a literatura  e à valorização do índio verdadeiramente brasileiro.
Em Oswald de Andrade percebe-se o retorno às fontes brasileiras. Parece haver o resgate crítico da nossa História através da Literatura, analisado nos textos de Pau Brasil  e  em Memórias Sentimentais de João Miramar.  O Modernismo coloca a cultura brasileira a par das correntes de vanguarda do pensamento europeu, ao mesmo tempo que prega a tomada de consciência da realidade aqui vivida.
Como os demais poetas modernistas do mesmo gênero, o poeta forja a sua arte buscando uma roupagem nova para o nosso tempo com base nos itens expressivos  de nossa civilização,  em seus primórdios.  Sua obra é constituída de uma poesia radical. E o que é ser radical? “Ser radical é tomar as coisas pela raiz. E a raiz, para o homem é o próprio homem,” segundo a tese de Marx. E Oswald não fez outra coisa  a não ser fazer desfilar no contexto de sua obra a pertinência humana: do homem de ontem  para o homem de hoje. De alguma forma, Oswald sentia que a integração de uma nação não se consolida em um só extremo, mas com os extremos... E neste desfilar, ele dá voz ao homem: escravos, colonos, índios, brancos... a partir de uma força mitológica capaz de conferir a cada um desta imensa fila, os anseios de revitalizar o que parecia insignificante. Mitos e lendas são colados ao contexto como se ele quisesse dizer: nossa tradição  brota da
terra para urdir o nacional, o que é nosso e inesgotável. E aí está o homem “brasileiro”, sujeito de uma Nação que mobiliza a sua consciência de Pátria pelo respeito, pelo amadurecimento: a ARTE FALAÇÃO.
Em Guimarães Rosa, entre tantos exemplos, pode-se detectar a vida do nosso sertão:

Não me assente o senhor por beócio. Uma coisa é por idéias arranjadas, outra é lidar com país de pessoas, de carne e de sangue, de mi-le-tan-tas misérias... Tanta gente – dá susto de saber – e nenhum se sossega:  todos nascendo, se casando, querendo colocação de emprego, comida, saúde, riqueza, ser importante, querendo chuva e negócios bons (...) Viver é perigoso. (Grande Sertão Veredas)


Corroborando o dizer de Sérgio Mamberri,  é no campo da consciência da criação que o mundo se faz  ou se desfaz. Segundo Sérgio Mamberri (Folha de São Paulo)  com Riobaldo sabemos dos perigos  que estão na travessia do mundo, nas visões bem ordenadas, unívocas e cheias de “boa intenção”. O desafio, segundo o autor, seria criar um outro Brasil, onde brasileiros possam abraçar seus amigos e reencontrar a dignidade. Aqui, a literatura tem força apelativa, denuncia e é portadora de  reivindicações de cunho social e político, próprias de uma nação. Nessa busca do homem brasileiro "espalhado nos mais distantes recantos de nossa terra", no dizer de José Lins do Rego, o regionalismo ganha uma importância até então não
alcançada na literatura, levando ao extremo as relações do personagem com o meio natural e social.
Neste fluir e refluir de conteúdos formativos e informativos, procede a adaptação estrangeira ao ambiente brasileiro. A terra fornece a plataforma – fértil e generosa – e o semeador estrangeiro a semente da sua experiência. Apesar da irradiação descompassada,  morosa, insípida; às vezes interpretada como intensa cultura estrangeira, a literatura  vem acompanhando a trajetória da nossa formação maternal, com raízes na cultura européia. Ao mesmo tempo, falar sobre  os primeiros textos  históricos,  em Oswald de Andrade e  Guimarães Rosa, entre outros,  é  propiciar a oportunidade de trazer alguns temas dos desenvolvimentos culturais, é  propiciar o diálogo em sentido estrito com literatura do nosso dia a dia.
Dessa forma, a literatura lida com polêmicas específicas da nossa história, denuncia  fatos passados e responde à tendência atual de abrir os campos disciplinares tradicionais a interseções com novas perspectivas e temas teóricos trans-disciplinares, como o desconstrutivismo de Derrida, o pós-estruturalismo, os debates feministas, os estudos culturais, a crítica literária, etc. Todas estas perspectivas, de fato, convergem no interesse pelos processos de formação da subjetividade e da emergência e inscrição dos sujeitos no discurso. Estes temas teóricos têm também a característica de nos reintroduzir no campo político através de autores que falam do mundo pós-colonial  através da literatura e teorizam a experiência da subalternidade, examinam o poder e as estruturas de subordinação, seja nas relações de gênero, raciais, coloniais, ou entre nações centrais e periféricas. O mundo globalizado e seus processos característicos de emergência de novas identidades, assim como a experiência dos povos diaspóricos são também categorias que dão forma a este conjunto de reflexões. É na literatura que se insere a proposta de trazer para discussão novas formas de inserção  nos processos históricos e políticos próprios das nações periféricas, incorporando as contribuições de teóricos pós-coloniais como Gayatri Spivak, Edward Said e Homi Bhabha. Entretanto, para incorporar esses teóricos faz-se necessário adequar  novas perspectivas nos estudos literários e na história da nação, visto que nossa situação contém proximidades tanto do sujeito ocidental (já que somos um Ocidente periférico), como do sujeito pós-colonial (pois somos também um Terceiro Mundo, porém com um experiência muito distinta de processo colonial).
Entrelaçando a vida das pessoas e a vida coletiva, a introspecção e a política, a literatura comparada  expande o núcleo narrativo em duas direções: traça um roteiro possível da história do Brasil em escalas  e, ao mesmo tempo, individualiza seus personagens  e fatos históricos com a nitidez e a sutileza próprias da melhor literatura. Às vezes, com um fundo constante de melancolia,  vai mudando de tom - desperta também o riso e a compaixão, - sem nunca perder o pulso, que lembra a respiração ligeiramente ofegante de alguém que vê a proximidade da morte e sabe que já passou o tempo de lutar, e que, no entanto, levanta-se pela batalha.
É claro que quem ouve uma história romanceada, informada, ou narrada, tem liberdade para  interpretá-la como bem quiser. Mas o que se coloca aqui ou pelo menos o que tento argumentar e defender é que tudo me tem indicado que é através da  narrativa, da literatura propriamente dita,  que a história atinge uma amplitude muito maior, mais rica em possibilidades de caminhos interpretativos,  de uma compreensão em nível mais profundo.
É nos limiares críticos da literatura comparada  que existe o detalhamento da linha de investigação. Assim, a  pesquisa sobre a relação entre literatura e memória cultural compreende, no nível teórico, o estudo das categorias espaciais e temporais dentro dos parâmetros da pós-modernidade, pela desconstrução do passado como discurso fundador e da fronteira disciplinar como território fechado. A arqueologia desse discurso privilegia a dimensão espacial, em que o desenho da superfície substitui a perspectiva hermenêutica, que visa à decifração do sentido dos textos.
O  objeto de investigação abrange as manifestações literárias,  inscritas nos diferentes exemplos  que são citados no corpo deste trabalho. Há assim no decorrer, uma  releitura de textos significativos para o exame da redefinição de identidades literárias, culturais e políticas; a constituição de um pensamento histórico no Brasil com base na análise da correspondência oficial e pessoal dos autores aqui citados,  da recepção de teorias e da interação entre o processo de modernização da  paisagem urbana e as realizações históricas, culturais e políticas.
 1500.
 2002.
Calmaria?  Creio que não.
 Praticamente, 502 anos de uma literatura dão lugar a diversos entrecruzamentos e controvérsias que, como as discussões sobre o cânone, sobre os gêneros, sobre a vigência da própria instituição literária, faz dos marcos um espaço de luz e sombra, um umbral  que habilita o acesso a uma interioridade sempre enigmática ou que  avança em direção de uma exterioridade que não se subtrai às inscrições   de uma escrita, que filtra tanto a realidade quanto a ficção, representando-a e configurando-a.
Desta maneira, a vida brasileira altera-se profundamente, o que de certa forma contribui para o processo de independência cultural de toda  a nação.

Referências

ANDRADE, Oswald de. Pau-Brasil. São Paulo: Editora Globo, 1991.

ARROJO, Rosemary. Tradução, Desconstrução e Psicanálise. Rio de Janeiro, Imago Ed.,  1993.

BASSNETT, Susan. Comparative Literature: A Critical Introduction. Oxford: Blackwell, 1993.

BHABHA, Homi. O local da cultura. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1998.

BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira. São Paulo: Cultrix. 1994.

CAMINHA, Pero Vaz de. Carta de Achamento. 1º de maio de 1500.

CASTELLO, José Aderaldo. Manifestações Literárias da Era Colonial. São Paulo: Cultrix, 1960

DERRIDA Jacques. Posições. Semiologia e materialismo. Lisboa: Plátano Editora, 1975, 118 p.

HUSSEYN, Andreas. Memórias do modernismo. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1996.

JAUSS, Hans Robert. A história da literatura como provocação à teoria literária. São Paulo: Ática, 1994.

KRISTEVA, Julia. Sèméiotikè: recherches pour une sémanalyse.  Paris: Seuil, 1969. 379 p.



MIRANDA, Wander Melo. Corpos Escritos: Graciliano Ramos  e Silviano Santiago. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; Belo Horizonte: Editora UFMG, 1992.

NETO, João Cabral de Melo. Os melhores poemas. São Paulo: Global Editora, 1995.

PORTELA, Eduardo. Literatura e Realidade Nacional. Rio de Janeiro: Ed. Tempos Brasileiros  Ltda, 1971.

ROSA, João Guimarães. Grande Sertão: Veredas. FOLHA DE SÃO PAULO. MAMBERRI, Sérgio,  05.08.94 in:  PILETTI, Nelson. História do Brasil. São Paulo: Editora Ática, 1998.
























quarta-feira, 11 de julho de 2012

Emmanuel Kant:

Kant nasceu, estudou, lecionou e morreu em Koenigsberg. Jamais deixou essa grande cidade da Prússia Oriental, cidade universitária e também centro comercial muito ativo para onde afluíam homens de nacionalidade diversa: poloneses, ingleses, holandeses. A vida de Kant foi austera (e regular como um relógio). Levantava-se às 5 horas da manhã, fosse inverno ou verão, deitava-se todas as noites às dez horas e seguia o mesmo itinerário para ir de sua casa à Universidade. Duas circunstâncias fizeram-no perder a hora: a publicação do Contrato Social de Rosseau, em 1762, e a notícia da vitória francesa em Valmy, em 1792. Segundo Fichte, Kant foi "a razão pura encarnada".
Kant sofreu duas influências contraditórias: a influência do pietismo, protestantismo luterano de tendência mística e pessimista (que põe em relevo o poder do pecado e a necessidade de regeneração), que foi a religião da mãe de Kant e de vários de seus mestres, e a influência do racionalismo: o de Leibnitz, que Wolf ensinara brilhantemente, e o da Aufklärung (a Universidade de Koenigsberg mantinha relações com a Academia Real de Berlim, tomada pelas novas idéias). Acrescentemos a literatura de Hume que "despertou Kant de seu sono dogmático" e a literatura de Russeau, que o sensibilizou em relação do poder interior da consciência moral.
A primeira obra importante de Kant - assim como uma das últimas, o Ensaio sobre o mal radical - consagra-o ao problema do mal: o Ensaio para introduzir em filosofia a noção de grandeza negativa (1763) opõe-se ao otimismo de Leibnitz, herdeiro do otimismo dos escoláticos, assim como do da Aufklärung. O mal não é a simples "privatio bone", mas o objeto muito positivo de uma liberdade malfazeja. Após uma obra em que Kant critica as ilusões de "visionário" de Swedenborg (que pretende tudo saber sobre o além), segue-se a Dissertação de 1770, que vale a seu autor a nomeação para o cargo de professor titular (professor "ordinário", como se diz nas universidades alemãs).
Nela, Kant distingue o conhecimento sensível (que abrange as instituições sensíveis) e o conhecimento inteligível (que trata das idéias metafísicas). Em seguida, surgem as grandes obras da maturidade, onde o criticismo kantiano é exposto. Em 1781, temos a Crítica da Razão Pura, cuja segunda edição, em 1787, explicará suas intenções "críticas" (um estudo sobre os limites do conhecimento). Os prolegômenos a toda metafísica futura (1783) estão para a Crítica da Razão Pura assim como a Investigação sobre o entendimento de Hume está para o Tratado da Natureza Humana: uma simplificação brilhante para o uso de um público mais amplo. A Crítica da Razão Pura explica essencialmente porque as metafísicas são voltadas ao fracasso e porque a razão humana é impotente para conhecer o fundo das coisas. A moral de Kant é exposta nas obras que se seguem: o Fundamento da Metafísica dos Costumes (1785) e a Crítica da Razão Prática (1788). Finalmente, a Crítica do Juízo (1790) trata das noções de beleza (e da arte) e de finalidade, buscando, desse modo, uma passagem que una o mundo da natureza, submetido à necessidade, ao mundo moral onde reina a liberdade.
Kant encontrara proteção e admiração em Frederico II. Seu sucessor, Frederico-Guilherme II, menos independente dos meios devotos, inquietou-se com a obra publicada por Kant em 1793 e que, apesar do título, era profundamente espiritualista e anti-Aufklärung: A religião nos limites da simples razão. Ele fez com que Kant se obrigasse a nunca mais escrever sobre religião, "como súdito fiel de Sua Majestade". Kant, por mais inimigo que fosse da restrição mental, achou que essa promessa só o obrigaria durante o reinado desse príncipe! E, após o advento de Frederico-Guilherme III, não hesitou em tratar, no Conflito das Faculdades (1798), do problema das relações entre a religião natural e a religião revelada! Dentre suas últimas obras citamos A doutrina do direito, A doutrina da virtude e seu Ensaio filosófico sobre a paz perpétua (1795).

A Ciência e a Metafísica

O método de Kant é a "crítica", isto é, a análise reflexiva. Consiste em remontar do conhecimento às condições que o tornam eventualmente legítimo. Em nenhum momento Kant duvida da verdade da física de Newton, assim como do valor das regras morais que sua mãe e seus mestres lhe haviam ensinado. Não estão, todos os bons espíritos, de acordo quanto à verdade das leis de Newton? Do mesmo modo todos concordam que é preciso ser justo, que a coragem vale mais do que do que a covardia, que não se deve mentir, etc... As verdades da ciência newtoniana, assim como as verdades morais, são necessárias (não podem não ser) e universais (valem para todos os homens e em todos os tempos). Mas, sobre que se fundam tais verdades? Em que condições são elas racionalmente justificadas? Em compensação, as verdades da metafísica são objeto de incessantes discussões. Os maiores pensadores estão em desacordo quanto às proposições da metafísica. Por que esse fracasso?
Os juízos rigorosamente verdadeiros, isto é, necessários e universais, são a priori, isto é independentes dos azares da experiência, sempre particular e contigente. À primeira vista, parece evidente que esses juízos a priori são juízos analíticos. Juízo analítico é aquele cujo predicado está contido no sujeito. Um triângulo é uma figura de três ângulos: basta-me analisar a própria definição desse termo para dizê-lo. Em compensação, os juízos sintéticos, aqueles cujo atributo enriquece o sujeito (por exemplo: esta régua é verde), são naturalmente a posteriori; só sei que a régua é verde porque a vi. Eis um conhecimento sintético a posteirori que nada tem de necessário (pois sei que a régua poderia não ser verde) nem de universal (pois todas as réguas não são verdes).
Entretanto, também existem (este enigma é o ponto de partida de Kant) juízos que são, ao mesmo tempo, sintéticos e a priori! Por exemplo:a soma dos ângulos de um triângulo equivale a dois retos. Eis um juízo sintético (o valor dessa soma de ângulos acrescenta algo à idéia de triângulo) que, no entanto, é a priori. De fato eu não tenho necessidade de uma constatação experimental para conhecer essa propriedade. Tomo conhecimento dela sem ter necessidade de medir os ângulos com um transferidor. Faço-o por intermédio de uma demonstração rigorosa. Também em física, eu digo que o aquecimento da água é a causa necessária de sua ebulição (se não houvesse aí senão uma constatação empírica, como acreditou Hume, toda ciência, enquanto verdade necessária e universal, estaria anulada). Como se explica que tais juízos sintéticos e a priori sejam possíveis?
Eu demonstro o valor da soma dos ângulos do triângulo fazendo uma construção no espaço. Mas por que a demonstração se opera tão bem em minha folha de papel quanto no quadro negro... ou quanto no solo em que Sócrates traçava figuras geométricas para um escravo? É porque o espaço, assim como o tempo, é um quadro que faz parte da própria estrutura de meu espírito. O espaço e o tempo são quadros a priori, necessários e universais de minha percepção (o que Kant mostra na primeira parte da Crítica da Razão Pura, denominada Estética transcendental. Estética significa teoria da percepção, enquanto transcendental significa a priori, isto é, simultaneamente anterior à experiência e condição da experiência). O espaço e o tempo não são, para mim, aquisições da experiência. São quadros a priori de meu espírito, nos quais a experiência vem se depositar. Eis por que as construções espaciais do geômetra, por mais sintéticas que sejam, são a priori, necessárias e universais. Mas o caso da física é mais complexo. Aqui, eu falo não só do quadro a priori da experiência, mas, ainda, dos próprios fenômenos que nela ocorrem. Para dizer que o calor faz ferver a água, é preciso que eu constate. Como, então, os juízos do físico podem ser a priori, necessários e universais?
É porque, responde Kant, as regras, as categorias, pelas quais unificamos os fenômenos esparsos na experiência, são exigências a priori do nosso espírito. Os fenômenos, eles próprios, são dados a posteriori, mas o espírito possui, antes de toda experiência concreta, uma exigência de unificação dos fenômenos entre si, uma exigência de explicação por meio de causas e efeitos. Essas categorias são necessárias e universais. O próprio Hume, ao pretender que o hábito é a causa de nossa crença na causalidade, não emprega necessariamente a categoria a priori de causa na crítica que nos oferece? "Todas as intuições sensíveis estão submetidas às categorias como às únicas condições sob as quais a diversidade da intuição pode unificar-se em uma consciência". Assim sendo, a experiência nos fornece a matéria de nosso conhecimento, mas é nosso espírito que, por um lado, dispõe a experiência em seu quadro espacio-temporal (o que Kant mostrará na Estética transcendental) e, por outro, imprime-lhe ordem e coerência por intermédio de suas categorias (o que Kant mostra na Analítica transcendental). Aquilo a que denominamos experiência não é algo que o espírito, tal como cera mole, receberia passivamente. É o próprio espírito que, graças às suas estruturas a priori, constrói a ordem do universo. Tudo o que nos aparece bem relacionado na natureza, foi relacionado pelo espírito humano. É a isto que Kant chama de sua revolução copernicana. Não é o Sol, dissera Copérnico, que gira em torno da Terra, mas é esta que gira em torno daquele. O conhecimento, diz Kant, não é o reflexo do objeto exterior. É o próprio espírito humano que constrói - com os dados do conhecimento sensível - o objeto do seu saber.
Na terceira parte de sua Crítica da Razão Pura, na dialética transcendental, Kant se interroga sobre o valor do conhecimento metafísico. As análises precedentes, ao fundamentar solidamente o conhecimento, limitam o seu alcance. O que é fundamentado é o conhecimento científico, que se limita a por em ordem, graças às categorias, os materiais que lhe são fornecidos pela intuição sensível.
No entanto, diz Kant, é por isso que não conhecemos o fundo das coisas. Só conhecemos o mundo refratado através dos quadros subjetivos do espaço e do tempo. Só conhecemos os fenômenos e não as coisas em si ou noumenos. As únicas intuições de que dispomos são as intuições sensíveis. Sem as categorias, as intuições sensíveis seriam "cegas", isto é, desordenadas e confusas, mas sem as intuições sensíveis concretas as categorias seriam "vazias", isto é, não teriam nada para unificar. Pretender como Platão, Descartes ou Spinoza que a razão humana tem intuições fora e acima do mundo sensível, é passar por "visionário" e se iludir com quimeras: "A pomba ligeira, que em seu vôo livre fende os ares de cuja resistência se ressente, poderia imaginar que voaria ainda melhor no vácuo. Foi assim que Platão se aventurou nas asas das idéias, nos espaços vazios da razão pura. Não se apercebia que, apesar de todos os seus esforços, não abria nenhum caminho, uma vez que não tinha ponto de apoio em que pudesse aplicar suas forças".
Entretanto, a razão não deixa de construir sistemas metafísicos porque sua vocação própria é buscar unificar incessantemente, mesmo além de toda experiência possível. Ela inventa o mito de uma "alma-substância" porque supõe realizada a unificação completa dos meus estados d'alma no tempo e o mito de um Deus criador porque busca um fundamento do mundo que seja a unificação total do que se passa neste mundo... Mas privada de qualquer ponto de apoio na experiência, a razão, como louca, perde-se nas antinomias, demonstrando, contrária e favoravelmente, tanto a tese quanto a antítese (por exemplo: o universo tem um começo? Sim pois o infinito para trás é impossível, daí a necessidade de um ponto de partida. Não, pois eu sempre posso me perguntar: que havia antes do começo do universo?). Enquanto o cientista faz um uso legítimo da causalidade, que ele emprega para unificar fenômenos dados na experiência (aquecimento e ebulição), o metafísico abusa da causalidade na medida em que se afasta deliberadamente da experiência concreta (quando imagino um Deus como causa do mundo, afasto-me da experiência, pois so o mundo é objeto de minha experiência). O princípio da causalidade, convite à descoberta, não deve servir de permissão para inventar.

A Moral de Kant

É só no domínio da moral que a razão poderá, legitimamente, manifestar-se em toda sua pujança. A razão teórica tinha necessidade da experiência para não se perder no vácuo da metafísica. A razão prática, isto é, ética, deve ao contrário, ultrapassar, para ser ela própria, tudo que seja sensível ou empírico.
Toda ação que toma seus móveis da sensibilidade, dos desejos empíricos, é estranha à moral, mesmo que essa ação seja materialmente boa. Por exemplo: se me empenho por alguém por cálculo interessado ou mesmo por afeição, minha conduta não é moral. Com efeito, amanhã, meus cálculos e meus sentimentos espontâneos poderiam levar-me a atos contrários. A vontade que tem por fim o prazer, a felicidade, fica submetida às flutuações de minha natureza. Nesse ponto, Kant se opõe não só ao naturalismo dos filósofos iluministas, mas, também, à ontologia otimista de São Tomás, para quem a felicidade é o fim legítimo de todas as nossas ações. Em Kant, há o que Hegel mais tarde denominará uma visão oral do mundo que afasta a ética dos equívocos da natureza. O imperativo moral não é um imperativo hipotético que submeteria o bem ao desejo (cumpre teu dever se nele satisfazes teu interesse, ou então, se teus sentimentos espontâneos a ele te conduzem), mas o imperativo categórico: Cumpre teu dever incondicionalmente.
Em que consiste esse dever? Uma vez que as leis que a Razão se impõe não podem, em nenhum caso, receber um conteúdo da experiência e que devem exprimir a autonomia da razão pura prática, as regras morais só podem consistir na própria forma da lei. "Age sempre de tal maneira que a máxima de tua ação possa ser erigida em regra universal" (primeira regra). O respeito pela razão estende-se ao sujeito racional: "Age sempre de maneira a tratares a humanidade em ti e nos outros sempre ao mesmo tempo como um fim e jamais como um simples meio" (segunda regra). Desse modo, o princípio do dever, para ser absolutamente rigoroso, não implica em nenhuma "alienação", como diríamos hoje, em nenhuma "heteronomia", como diz Kant.
Para se unirem numa justa reciprocidade de direitos e obrigações, os homens só têm que obedecer às exigências de sua própria razão: "Age como se fosses ao mesmo tempo legislador e súdito na república das vontades" (terceira regra).
O único sentimento que tem por si mesmo um valor moral nessa ética racionalista é o sentimento do respeito, pois não é anterior à lei, mas é a própria lei moral que o produz em mim; ele me engrandece, ele me realiza como ser racional que obedece à lei moral. Vimos que, pelo fato de ser puramente formal, essa moral não me propõe, efetivamente, um ato concreto a realizar. Ela simplesmente autoriza ou proíbe este ou aquele ato que tenho vontade de praticar. Por exemplo, vejo de imediato que não tenho o direito de mentir, mesmo que me diga: e se todos fizessem o mesmo? A mentira de todos para com todos é contraditória, portanto, proibída. A moral formal, por conseguinte, apresenta-se como essencialmente negativa. Como diz Jan Kélévitch, o imperativo categórico é um "proibitivo categórico".
A moral de Kant, ao privilegiar a razão humana, exprime sua desconfiança com relação à natureza humana, aos instintos, às tendências de tudo o que é empírico, passivo, passional, ou, como diz Kant, patológico. Tal é o rigoríssimo kantiano. A razão fala sobre a forma severa do dever porque é preciso impor silêncio à natureza carnal, porque é preciso, ao preço de grande esforço, submeter a humana vontade à lei do dever. Por conseguinte, o domínio da moral não é o da natureza (submissão animal aos instintos) nem o da santidade (em que a natureza, transfigurada pela graça, sentiria uma atração instintiva e irresistível pelos valores morais). O mérito moral é medido precisamente pelo esforço que fazemos para submeter nossa natureza às exigências do dever.

Moral e Metafísica

A moral de Kant é o que chamamos de uma moral independente. Ela não possui outro fundamento além da consciência humana, essa consciência que é essencialmente razão. Mesmo que o universo não tenha o menor sentido, mesmo que a alma seja mortal, o discípulo de Kant se sabe obrigado a respeitas as máximas da razão.
Todavia, Kant vai reerguer a metafísica - essa metafísica cuja demonstração era impossível, segunda a crítica da razão pura. A originalidade de Kant está no fato de que, ao invés de buscar os fundamentos de sua moral na metafísica, ele vai estabelecer os fundamentos de uma metafísica na moral, a título de "postulados da razão prática". Por exemplo: o dever me prescreve a realização de certa perfeição moral que não consigo atingir na vida presente (posto que não chego a purificar totalmente a determinação de querer dos móveis sensíveis). Kant então postula a imortalidade da alma.
Por outro lado, Kant constata que a virtude e a felicidade quase não estão juntas, neste mundo em que, de um modo geral, os maus são muito prósperos. Ele então postula que um Deus justiceiro, por intermédio de um sistema de recompensa e punições, restabelecerá no além a harmonia entre virtude e felicidade.
Finalmente, partindo da consciência da obrigação moral, Kant vai postular a liberdade humana. Com efeito, a obrigação moral exclui a necessidade dos atos humanos. A obrigação não teria o menor sentido se minha conduta fosse automaticamente determinada por minhas tendências ou pelas influências que sofri. Ser moralmente obrigado é ter o poder de responder sim ou não à regra moral, é ter a liberdade de escolher entre o bem e o mal. "Tu deves, diz Kant, então podes."
Esta liberdade não poderia ser demonstrada. No plano dos fenômenos, isto é, da experiência, do que hoje denominamos ciência psicológica, eu vejo que meus atos, ao contrário, são determinados uns pelos outros no tempo. Aquele crime pode ser explicado pelas paixões de seu autor, pela deplorável educação que recebeu, etc... E, no entanto, o homem se sente responsável, por conseguinte, livre. Não esqueçamos que o mundo dos fenômenos, isto é, do determinismo, é um mundo de aparências. Por trás desse determinismo aparente, pelo qual o mundo se me apresenta no conhecimento, esconde-se a realidade numenal de minha liberdade. Por conseguinte, é fora do tempo, é nas profundezas do ser inacessível ao saber científico, que o mau escolheu livremente o seu caráter de mau. Em tal sistema, portanto, não existe liberdade parcial nem meia-responsabilidade. Totalmente determinados nas aparências fenomenais, seríamos totalmente livres em nossa realidade numenal: daí se segue que nenhum pecado poderia ser escusável.

A Crítica do Juízo

Desse modo, a filosofia de Kant nos surge como uma filosofia essencialmente trágica, já que afirma simultaneamente a necessidade da natureza (na Crítica da Razão Pura) e a exigência de uma liberdade absoluta (na Crítica da Razão Prática).
Em sua terceira grande obra, A Crítica do Juízo, Kant se esforça por mostrar a possibilidade de uma reconciliação entre o mundo natural e o da liberdade. A natureza não seja talvez não seja apenas o domínio do determinismo, mas também o da finalidade que aparece notadamente na organização harmoniosa dos seres vivos. Todavia, se o princípio de causalidade (determinismo) é constitutivo da experiência (não posso dispensá-lo para explicar a natureza), o princípio de finalidade permanece facultativo, puramente regulador (posso interpretar o agrupamento de certas condições como a manifestação de um fim). Tudo se passa como se o pássaro fosse feito para voar, mas uma coisa apenas é certa: o pássaro voa porque é constituído de tal maneira.
Os valores de beleza, presentes na obra de arte, igualmente nos oferecem uma espécie de reconciliação entre a razão e a imaginação, já que, na contemplação estética, a bela aparência que admiramos parece inteiramente penetrada dos valores do espírito. Finalidade sem fim (isto é, harmonia pura, fora de todo móvel exterior à obra de arte), a beleza oferece à nossa imaginação a oportunidade de uma satisfação inteiramente desinteressada. Ela é, no mundo kantiano, o exemplo único de uma satisfação ao mesmo tempo sensível e pura de todo egoísmo, o momento privilegiado em que uma emoção, longe de manifestar meu egoísmo dominador, dele me liberta e, como se diz muito bem, me "arrebata".

O Alcance da Crítica Kantiana
(Prefácio da 2.ª edição da Crítica da Razão Pura)

Um rápido olhar lançado nesta obra levará a pensar, de início, que sua utilidade é inteiramente negativa ou que ela só serve para nos impedir de conduzir a razão especulativa além dos limites da experiência, e é isso que lhe dá sua primeira utilidade. Mas logo se perceberá também que sua utilidade é positiva, pelo fato mesmo de os princípios sobre os quais se apóia a razão especulativa, para se aventurar fora de seus limites, na realidade terem por conseqüência inevitável não a extensão, mas, olhando mais de perto, a restrição do uso de nossa razão. É que, com efeito, esses princípios ameaçam de tudo enfeixar nos limites da sensibilidade, da qual propriamente dependem, e assim reduzir a nada o uso puro (prático) da razão. Ora, uma crítica que limita a razão em seu uso especulativo é, por esse lado, bem negativa; mas, ao suprimir com um mesmo golpe o obstáculo que restringe seu uso prático ou que até ameaça anulá-la, essa crítica, de fato, tem uma utilidade positiva da mais alta importância. É o que se reconhecerá logo que se esteja convencido de que a razão pura tem um uso prático absolutamente necessário (quero significar o uso moral), no qual ela se estende inevitavelmente além dos limites da sensibilidade e no qual, sem para isso ter necessidade do auxílio da razão especulativa, a razão prática, porém, quer estar assegurada contra toda oposição de sua parte, a fim de não cair em contradição consigo mesma. Negar que a crítica, ao prestar-nos esse serviço, tenha uma utilidade positiva, porque sua função consiste unicamente em fechar as portas à violência que os cidadãos poderiam temer uns aos outros, a fim de que cada um possa realizar seus negócios tranqüilamente e em segurança. Que o espaço e o tempo só sejam formas da intuição sensível e, conseqüentemente, das condições da existência das coisas como fenômenos; que, além disso, não tenhamos conceitos do entendimento e, portanto, quaisquer elementos para o conhecimento das coisas, sem que uma intuição correspondente nos seja dada, e que, por conseguinte, não possamos conhecer nenhum objeto como coisa em si, mas apenas como objeto da intuição sensível, isto é, como fenômeno, é o que será provado na parte analítica e daí resultará que todo conhecimento especulativo possível da razão se reduz unicamente aos objetos da experiência. Mas, o que é preciso marcar bem, surge aí uma reserva: é que, se não podemos conhecer esses objetos como coisas em si, podemos ao menos pensá-los como tais.
Se assim não fora, chegaríamos à absurda proposição de que existem fenômenos ou aparências sem que haja nada que apareça. Quando se supõe que nossa crítica não tenha feito a distinção que ela estabelece necessariamente entre as coisas como objetos de experiência e essas coisas como objetos em si, será preciso então que se estenda a todas as coisas em geral, consideradas como causas eficientes, o princípio da causalidade e, conseqüentemente, o mecanismo natural que ele determina. Por conseguinte, eu não poderia dizer do próprio ser, por exemplo, da alma humana, que sua vontade é livre e que, entretanto, está submetida à necessidade física, isto é, que não é livre, sem cair em evidente contradição, É que, nas duas proposições, tomei a alma no mesmo sentido, isto é, como uma coisa em geral (como objeto em si) e, sem as advertências da crítica, não poderia encará-la de outro modo.
Mas se a crítica não se enganou ao ensinar-nos a considerar o objeto em dois sentidos diferentes, como fenômeno e como coisa em si; se a dedução dos conceitos do entendimento é exata e se, conseqüentemente, o princípio da causalidade só se aplica às coisas no primeiro sentido, ao passo que no segundo sentido essas mesmas coisas não mais lhe estejam submetidas, a mesma vontade pode ser concebida, sem contradição, de um lado, como estando necessariamente submetida, do ponto de vista fenomenal (em seus atos visíveis), à lei física, conseqüentemente, como não sendo livre e, de outro, enquanto faz parte das coisas em si, como escapando a essa lei, por conseguinte, como livre. Ora, embora sob esse último ponto de vista eu não possa conhecer minha alma por intermédio da razão especulativa (e ainda menos pela observação empírica) e, conseqüentemente, eu também possa conhecer a liberdade como a propriedade de um ser ao qual atribuo efeitos no mundo sensível - posto que seria necessário que eu a conhecesse de uma maneira determinada em sua existência, mas não no tempo (o que é impossível, pois aqui nenhuma intuição pode ser submetida ao meu conceito) - eu posso, no entanto, pensar a liberdade, isto é, que sua idéia não contém a menor contradição, desde que admita nossa distinção crítica dos dois modos de representação (o modo sensível e o intelectual), assim como a restrição que daí deriva relativamente aos conceitos puros do entendimento e, por conseguinte, aos princípios decorrentes desses conceitos. Admitamos agora que a moral supõe necessariamente a liberdade (no sentido mais estrito) como uma propriedade de nossa vontade, colocando a priori como dados da razão princípios práticos que dela se originam e que, sem essa suposição, seriam absolutamente impossíveis; mas admitamos também que a razão especulativa tenha provado que a liberdade não fosse de modo algum concebida; será preciso então que necessariamente a suposição moral dê lugar àquela cujo contrário implica em evidente contradição, isto é, que a liberdade, e com ela a moralidade (cujo contrário não implica em contradição, quando não se supõe a liberdade previamente), desaparecem no mecanismo da natureza. Todavia, como é suficiente que, do ponto de vista da moral, a liberdade não seja contraditória e que, conseqüentemente, ela possa ser concebida, e como, desde que não se coloque como obstáculo ao mecanismo natural da própria ação (tomados num outro sentido), não há necessidade de se lhe ter um conhecimento mais amplo, a moral pode manter sua posição enquanto a física conserva a sua. Ora, é o que não teríamos descoberto se a crítica não nos houvesse previamente instruído sobre nossa inevitável ignorância relativamente às coisas em si e se ela não houvesse limitado aos simples fenômenos todo nosso conhecimento teórico. Desse modo, pode-se mostrar essa mesma utilidade dos princípios críticos da razão pura relativamente à idéia de Deus, a liberdade e a imoratalidade segundo a necessidade que minha razão tem em seu uso prático necessário, sem rechaçar ao mesmo tempo as pretensões da razão especulativa em suas visões transcendentes; pois, para chegar aí, lhe é necessário empregar princípios que na realidade só se aplicam a objetos da experiência sensível e que sempre transformam em fenômenos aquilo a que se aplicam, mesmo que esse algo não possa ser um objeto de experiência, e desse modo declaram impossível toda extensão prática da razão pura. Tive então que suprimir o saber para substituí-lo pela crença.


Crítica ao Argumento Ontológico
(Crítica da Razão Pura, Dialética Transcendental)

Cem táleres reais não contêm mais do que cem táleres possíveis. Pois, como os táleres possíveis exprimem o conceito e os reais o objeto e sua posição em si mesma, meu conceito não exprimiria o objeto inteiramente e conseqüentemente não estaria de acordo com ele, caso o objeto contivesse mais do que o conceito. Mas sou mais rico com cem táleres reais do que com sua idéia (isto é, se eles são simplesmente possíveis). De fato, o objeto na realidade não está simplesmente contido de uma maneira analítica em meu conceito, mas ele enriqueceu sinteticamente meu conceito (que é uma determinação do meu estado), sem que os cem táleres concebidos sejam aumentados por este ser que está situado fora do meu conceito.
Quando, então, eu concebo uma coisa, quaisquer que sejam e por mais numerosos que sejam os predicados por meio dos quais eu a concebo (mesmo que a determine completamente), e só por isso eu acrescente que essa coisa existe, eu não estarei acrescentando absolutamente nada à coisa. Se assim fora, não existiria mais a mesma coisa, mas algo além do que pensei no conceito; e eu não mais poderia dizer que é exatamente o objeto do meu conceito que existe. Se numa coisa eu concebo toda realidade, exceto uma, e pelo fato de dizer que essa coisa defeituosa existe, a realidade que lhe falta não lhe será acrescentada por isto; mas ela existe precisamente tão defeituosa quanto a concebo, pois, de outro modo, existiria outra coisa diferente do que concebi. Se, por conseguinte, eu concebo um ser como a suprema realidade (sem falhas), sempre resta saber se esse ser existe ou não. De fato, embora em meu conceito não falte nada do conteúdo real possível de uma coisa em geral, ainda falta, porém, alguma coisa com relação a todo meu estado intelectual, a saber, que o conhecimento de um objeto seja possível a posteriori. E aqui se mostra a causa da dificuldade que reina nesse ponto. Se se tratasse de um objeto dos sentidos, eu não poderia confundir a existência da coisa com seu simples conceito. De fato, o conceito só me faz conceber o objeto como concordante com as condições universais de um conhecimento empírico possível em geral, enquanto a existência me faz concebê-lo como compreendido no contexto de toda experiência; e, se o conceito do objeto não é de modo algum aumentado para sua ligação com o conteúdo de toda experiência, nosso pensamento dele recebe em acréscimo mais percepção possível. Se, ao contrário, quisermos pensar a existência unicamente por intermédio da pura categoria, não será de espantar que não possamos indicar nenhum critério que sirva para distingui-la da simples possibilidade.
Qualquer que seja a natureza e a extensão do conteúdo de nosso conceito de um objeto, somos obrigados a sair desse conceito para lhe atribuir a existência. Com relação a objetos sensíveis, a passagem se faz por meio do encadeamento que liga o conceito a alguma de minhas percepções, segundo as leis empíricas; mas, para os objetos do pensamento puro, não existe nenhum meio de reconhecer sua existência, já que seria preciso reconhecê-la inteiramente a priori; nossa consciência de toda existência (quer ela resulte imediatamente da percepção, quer resulte de raciocínios que unem alguma coisa à percepção) pertence inteiramente à unidade da experiência, e se uma existência fora desse campo não deve ser tida por absolutamente impossível, ela também não deixa de ser uma suposição que nada pode justificar.
O conceito de um ser supremo é uma idéia muito útil com relação a muitas coisas, mas, precisamente porque é apenas uma idéia, ele é inteiramente incapaz de estender a si só nosso conhecimento com relação ao que existe. Nem pode mesmo nos instruir o suficiente com relação à possibilidade. É certo que o caráter analítico da possibilidade - que consiste no fato de que simples posições (realidades) não engendram contradição - não lhe pode ser contestado; mas, como a ligação de todas as propriedades reais numa coisa é uma síntese cuja possibilidade não podemos julgar a priori, posto que as realidades não nos são dadas especificamente, e, mesmo que isso acontecesse, que não resultaria daí nenhum juízo, o caráter da possibilidade dos conhecimentos sintéticos que deve ser sempre buscado na experiência, à qual o objeto de uma idéia não pode pertencer, faz-se muito necessário que o ilustre Leibnitz tenha feito aquilo de que se orgulhava, isto é, chegar a conhecer a priori a possibilidade de um ser ideal tão elevado.
Essa prova ontológica (cartesiana) tão glorificada, que pretende demonstrar por meio de conceitos a existência de um ser supremo, perde, então, todo seu valor e não nos tornaremos mais ricos em conhecimentos com simples idéias quanto um comerciante não se tornaria em dinheiro se, com o pensamento de aumentar sua fortuna, ele acrescentasse alguns zeros em seu livro de caixa.


O Rigorismo de Kant
(Fundamento da Metafísica dos Costumes)

Conservar a própria vida é um dever e, além disso, é uma coisa para a qual todos possuem uma inclinação imediata. Ora, é por isso que a solicitude, freqüentemente inquieta, com que a maior parte dos homens se dedica a isso, não é menos desprovida de todo valor intrínseco e é por isso que sua máxima não possui nenhum valor moral. É certo que eles conservam sua vida de acordo com o dever, mas não por dever. Em compensação, quando contrariedades ou uma aflição sem esperança tenha roubado de um homem todo gosto de viver e se o infeliz, com ânimo forte, fica muito mais indignado com sua sorte do que desencorajado ou abatido, se deseja a morte e, no entanto, conserva a vida sem amá-la, não por inclinação ou temor, mas por dever, então sua máxima possui um valor moral.
Ser bom, quando se pode, é um dever e, ademais, existem certas almas tão capacitadas para a simpatia que, mesmo sem qualquer motivo de vaidade ou de interesse, elas experimentam uma satisfação íntima em irradiar alegria em torno de si e vivem o contentamento de outrem, na medida em que ele é obra sua. Mas eu acho que no caso de uma ação desse tipo, por mais de acordo com o dever e mais amável que seja, não possui porém verdadeiro valor moral, já que ela se coloca no mesmo plano de outras inclinações, a ambição, por exemplo, que, quando coincide com o que realmente está de acordo com o interesse público e o dever, com o que, por conseguinte, é honorável, merece louvor e encorajamento, mas não respeito, pois falta a essa máxima o valor moral, isto é, o fato de que essas ações sejam feitas não por inclinação, mas por dever. Suponha-se então que a alma daquele filantropo esteja ensombrada por um desses desgostos pessoais que sufocam toda simpatia pela sorte de outrem e que ele sempre ainda tenha o poder de fazer bem a outros infelizes, mas que não seja tocado pelo infortúnio dos outros, por estar demasiado absorvido pelo seu próprio, e que nessas condições em que nenhuma inclinação não mais o leve a isso, ele porém se arranque dessa insensibilidade mortal e aja, livre da influência de qualquer inclinação, unicamente por dever; então, só então sua ação terá verdadeiro valor moral. E digo mais: se a natureza tivesse colocado no coração deste ou daquele um pouco de simpatia, se aquele homem (honesto de resto) fosse frio por temperamento e indiferente aos sofrimentos de outrem, talvez porque, tendo para com seus próprios sofrimentos um dom especial de resistência e de paciente energia, ele suponha que também nos outros, ou deles exija as mesmas qualidades; se a natureza não tivesse formado esse homem particularmente o que na verdade não seria sua obra pior) para fazer dele um filantropo, não encontraria ele, então, em si próprio o meio de se dar um valor muito superior ao que possa ter um temperamento naturalmente bonsoso? Certamente! E á aqui precisamente que surge o valor do caráter, valor moral e incomparavelmente o mais elevado, que provém daquele que faz o bem não por inclinação, mas por dever.
Assegurar a própria felicidade é um dever (indireto, ao menos); pois, o fato de não estar contente com a própria situação, com o viver pressionado por inúmeros cuidados em meio de necessidades não satisfeitas, poderia facilmente tornar-se uma grande tentação de violar seus deveres. Mas, aqui ainda, sem pensar no dever, todos os homens já têm, por eles próprios, a inclinação para a felicidade mais duradoura e mais íntima, pois, precisamente nessa idéia de felicidade, as inclinações se unificam numa totalidade. Ocorre apenas que o preceito que ordena o tornar-se feliz muitas vezes assume tal caráter, que traz grande prejuízo a algumas inclinações, e, contudo, o homem não pode fazer um conceito definido e certo dessa soma de satisfações a ser dada a todas a que chama de felicidade; desse modo, não há por que se surpreender que uma inclinação única, determinada quanto ao que promete e quanto à época em que pode ser satisfeita, possa levar vantagem sobre uma idéia flutuante, que, por exemplo, uma pessoa que sofre de gota possa gostar mais de saborear o que é de seu gosto e sofra em seguida, pois, segundo seu cálculo, ao menos nessa circunstância ela não se privou, por causa da talvez enganosa esperança de uma felicidade a ser encontrada na saúde, do gozo do momento presente. Mas, nesse caso igualmente, se atendência universal não determinasse sua vontade, se a saúde, para ela ao menos, não fosse coisa tão importante de fazer entrar em seus cálculos, o que restaria ainda aqui, como em todos os outros casos, seria uma lei, uma lei que ordena trabalhar para a própria felicidade não por inclinação, mas por dever, e é por isto somente que sua conduta possui um verdadeiro valor moral.
Assim, devem ser certa e igualmente compreendidas as passagens da Escritura em que é ordenado amar ao próximo, ainda que inimigo. Pois, o amor como inclinação não pode ser ordenado; mas fazer o bem precisamente por dever, na medida em que não há inclinação que nos conduza a isso, e mesmo que uma aversão natural e invencível a isto se oponha, eis aí um amor prático e não patológico, que reside na vontade e não na tendência da sensibilidade, em princípios da ação e não numa compaixão debilitante; ora, esse amor é o único que pode ser ordenado.

AVANÇOS E RISCOS NO COMBATE AO CARTEL


AVANÇOS E RISCOS NO COMBATE AO CARTEL
Gesner Oliveira1
Thomas Fujiwara2
O combate aos cartéis avançou nos últimos anos no Brasil. A proposta de reforma que se
encontra no Congresso pode consolidar os ganhos obtidos. Conforme discutido em painel de
discussão sobre combate a cartéis no 11° Seminário Internacional do Instituto Brasileiro de
Ciências Criminais – IBCCRIM, a jurisprudência a ser formada nos próximos anos será crucial.
Como sempre, há riscos a serem evitados.

A formação de cartel constitui crime contra a ordem econômica. Trata -se de interferência
no mecanismo de mercado por meio de acordo de preços, controle das quantidades ou de divisão
de mercado entre empresas concorrentes, que transfere renda dos consumidores para os
organizadores do cartel, reduzindo o bem-estar da sociedade. O consumidor sai sempre perdendo.
E o contribuinte também, quando se trata de cartéis em licitações públicas, nas quais os
participantes acertam o preço nos bastidores e o Estado paga mais caro do que deveria pela
compra de bens e serviços.

No Brasil, o combate ao cartel ainda constitui novidade, sendo fruto de construção dos
últimos dez anos. A promulgação da atual lei de defesa da concorrência (Lei n. 8.884) em 1994
foi um passo importante. Prevê multas de 1% até 30% do valor do faturamento das empresas
condenadas, sendo que este valor pode ser dobrado em caso de reincidência.
Embora alguns casos de tabelamento de preços por associações profissionais tenham sido
julgados no período 1994-98, o primeiro caso típico de carte l julgado pelo CADE ocorreu em
1999. Desde então, avanços importantes foram obtidos na matéria.

A Lei n. 10.149 de 2000 criou duas novas armas para o combate a cartéis. Em primeiro
lugar, introduziu acordo de leniência , que constitui a aplicação da delação premiada para a defesa
da concorrência. O delator pode obter a extinção da ação punitiva ou a redução de um a dois
terços da penalidade aplicada. Tal mecanismo ataca o ponto fraco do cartel: a propensão natural
de seus participantes a romperem o acordo. A colaboração de pessoas de dentro facilita a
obtenção de provas detalhadas, aumentando as chances de condenação. Em segundo lugar, a SDE

passou a ter o poder de realizar inspeções, buscas e apreensões de registros nas sedes e filiais de
empresas sobre investigação.
O projeto de reforma da defesa da concorrência, enviado recentemente pelo Executivo ao
Congresso, pode contribuir para o aperfeiçoamento do combate aos cartéis ao consolidar tais
mecanismos. Além disso, ao diminuir a duplicação de funções e promover a simplificação dos
procedimentos, permite-se maior número de investigações com a mesma quantidade de recursos.
Contudo, o avanço no combate aos cartéis não requer apenas alterações nas instituições
públicas, mas também mudança cultural. É preciso alterar a mentalidade de parte do
empresariado brasileiro, que durante décadas foi educado pelo próprio Estado a organizar cartéis,
através da fixação estatal de preços e cotas de produção. Tal mudança cultural não pode se
restringir ao setor privado. As empresas públicas e os formuladores de política nos diversos
ministérios setoriais também precisam se enquadrar à nova mentalidade.
A jurisprudência em relação a cartéis deverá se consolidar nos próximos anos. Advirta-se
desde logo para cinco riscos. Em prime iro lugar, oligopólio não é cartel. Apesar de mercados
concentrados serem mais propícios à formação de cartéis do que os que apresentam muitos
concorrentes, a concentração não é condição suficiente para a cartelização.
Em segundo lugar, deve-se evitar o “risco Casablanca” no combate aos cartéis. Ao final
do famoso filme de 1942, o capitão de polícia Renault manda “juntar os suspeitos de sempre”
para que se resolva o assassinato do vilão da estória. Seria temerário promover algo do gênero em
relação a supostos cartéis. Embora seja possível estabelecer que o cartel é mais ou menos
provável em determinados setores, não seria razoável pré-julgar e estigmatizar certos segmentos.
Em terceiro lugar, paralelismo de preços não constitui evidência de cartelização. A
evidência de conduta uniforme de preços entre competidores pode ser causada por fatores não
relacionados a problemas anti-competitivos. Variações comuns nos preços de insumos, aumentos
da inflação ou um padrão de concorrência onde uma firma segue as decisões da outra podem
originar paralelismo de preços, sem que haja conduta concertada entre concorrentes.
Em quarto lugar, seria equivocado desconsiderar as peculiaridades das economias em
transição. O elevado grau de informalidade de alguns mercados brasileiros constitui fenômeno
relevante. Em primeiro lugar, leva a uma superestimação do poder de mercado das empresas
formais. Um eventual aumento de preços seria imediatamente aproveitado pelo mercado
informal, tornando-o pouco atraente para as empresas formais ou ineficaz caso venha a ocorrer.
Em segundo lugar, a informalidade gera ruído informacional que dificulta a cartelização.
Por fim, seria contraproducente conferir tratamento per se para a análise de cartéis. Seria
um retrocesso julgar casos de cartelização com base apenas em evidências formais de que houve
tentativa de colusão, desconsiderando os efeitos econômicos sobre o mercado. Caso tal
entendimento prevaleça, as autoridades ficam obrigadas a analisar um sem-número de acordos
inócuos à economia, onerando a máquina pública no sentido diametralmente oposto àquele que se
deseja na oportuna reforma ora em debate.




1 Gesner Oliveira é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-EAESP, presidente do
Instituto Tendências de Direito e Economia e ex-presidente do Cade. Internet: www.gesneroliveira.com.br - E-mail: gesner@fgvsp.br
2 Thomas Fujiwara é economista e mestrando em economia pelo IPE-FEA-USP. E-mail: thomasfujiwara@yahoo.com


terça-feira, 12 de junho de 2012

A IDENTIDADE SOCIAL




• É o que nos caracteriza como pessoa, quando alguém nos pergunta: Quem você é?

• A descrição que a pessoa faz de si enfatiza características peculiares de se relacionar com os outros, sendo características que foram aprendidas nas relações grupais através de papéis diversificados. É isto que dá a identidade social, que deixamos de ser um entre muitos.



CONSCIÊNCIA DE SI

• Os papéis sociais atendem à manutenção das relações sociais, representadas, no nível psicológico, pelas expectativas e normas que os outros envolvidos esperam que sejam cumpridas.

• O quanto à identidade social e os papéis exercem uma mediação ideológica, ou seja: criam uma ilusão de que os papéis são naturais e necessários e que a identidade é conseqüência de opções livres que fazemos no nosso conviver social, quando, de fato, são as condições sociais decorrentes da produção da vida material que determinam os papéis e a nossa identidade social.

• Consciência em si: assumir que somos conseqüência das opções que fazemos, sem examinarmos as condições sociais que, através da nossa história pessoal, foram determinando a aquisição destas características que nos definem, só poderemos estar reproduzindo o esperado pelos grupos “bem ajustados” que nos cercam.

• Se questionarmos o quanto a nossa história de vida é determinada pelas condições históricas do nosso grupo social – como estes papéis foram determinados socialmente- constataremos que nossos papéis e nossa identidade reproduzem, no nível ideológico, (do que é idealizado, valorizado) e no da ação – as relações de dominação como maneiras naturais e universais de ser social, necessárias para a manutenção da sociedade de classes onde poucos dominam e muitos são dominados através da exploração da força de trabalho.

• Quando formos capazes de questionar como agimos e porque agimos é que estaremos adquirindo a consciência de nós mesmos.

• A consciência de si poderá alterar a identidade social, na medida em que dentro dos grupos que nos definem, questionarmos os papéis e constarmos às relações de dominação que existem de uns sobre os outros.

• Este processo não é simples: os grupos e os papéis que os definem são cristalizados por instituições que buscam a “preservação social”.