Poliscivita


POLISCIVITA é um blog que trata da filosofia geral, da filosofia jurídica e da sociologia de forma interdisciplinar. Junte-se a nós com seus comentários pertinentes.


segunda-feira, 26 de julho de 2010

OS PAIS ENVELHECEM

Talvez a mais rica, forte e profunda experiência da caminhada humana seja a de ter um filho.

Plena de emoções, por vezes angustiante, ser pai ou mãe é provar os limites que constituem o sal e o mel do ato de amar alguém.

Quando nascem, os filhos comovem por sua fragilidade, seus imensos olhos, sua inocência e graça.

Basta vê-los para que o coração se alargue em riso e cor. Um sorriso é capaz de abrir as portas de um paraíso.

Eles chegam à nossa vida com promessas de amor incondicional. Dependem de nosso amor, dos cuidados que temos. E retribuem com gestos que enternecem.

Mas os anos passam e os filhos crescem. Escolhem seus próprios caminhos, parceiros e profissões. Trilham novos rumos, afastam-se da matriz.

O tempo se encarrega da formação de novas famílias. Os netos nascem. Envelhecemos. E então algo começa a mudar.

Os filhos já não têm pelos pais aquela atitude de antes. Parece que agora só os ouvem para fazer críticas, reclamar, apontar falhas.

Já não brilha mais nos olhos deles aquela admiração da infância e isso é uma dor imensa para os pais.

Por mais que disfarcem, todo pai e mãe percebe as mínimas faíscas no olho de um filho.

É quando pais, idosos, dizem para si mesmos: Que fiz eu? Por que o encanto acabou? Por que meu filho já não me tem como seu herói particular?

Apenas passaram-se alguns anos e parece que foram esquecidos os cuidados e a sabedoria que antes era referência para tudo na vida.

Aos poucos, a atitude dos filhos se torna cada vez mas impertinente. Praticamente não ouvem mais os conselhos.

A cada dia demonstram mais impaciência. Acham que os pais têm opiniões superadas, antigas.

Pior é quando implicam com as manias, os hábitos antigos, as velhas músicas. E tentam fazer os velhos pais se adaptarem aos novos tempos, aos novos costumes.

Quanto mais envelhecem os pais, mais os filhos assumem o controle. Quando eles estão bem idosos, já não decidem o que querem fazer ou o que desejam comer e beber. Raramente são ouvidos quando tentam fazer algo diferente.

Passeios, comida, roupas, médicos – tudo passa a ser decidido pelos filhos.

E, no entanto, os pais estão apenas idosos. Mas continuam em plena posse da mente. Por que então desrespeitá-los?

Por que tratá-los como se fossem inúteis ou crianças sem discernimento?

Sim, é o que a maioria dos filhos faz. Dá ordens aos pais, trata-os como se não tivessem opinião ou capacidade de decisão.

E, no entanto, no fundo daqueles olhos cercados de rugas, há tanto amor. Naquelas mãos trêmulas, há sempre um gesto que abençoa, acaricia.

* * *

A cada dia que nasce, lembre-se, está mais perto o dia da separação. Um dia, o velho pai já não estará aqui.

O cheiro familiar da mãe estará ausente. As roupas favoritas para sempre dobradas sobre a cama, os chinelos em um canto qualquer da casa.

Então, valorize o tempo de agora com os pais idosos. Paciência com eles quando se recusam a tomar os remédios, quando falam interminavelmente sobre doenças, quando se queixam de tudo.

Abrace-os apenas, enxugue as lágrimas deles, ouça as histórias (mesmo que sejam repetidas)e dê-lhes atenção, afeto...

Acredite: dentro daquele velho coração brotarão todas as flores da esperança e da alegria.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

A HISTÓRIA DE CADA UM

A HISTÓRIA DE CADA UM


Por: Silvania Margarida


UMA HISTÓRIA DE CADA UM


 A Educação Especial no Brasil tem sido concebida, tradicionalmente, como destinada apenas ao atendimento de alunos com deficiências; condutas típicas de síndromes e quadros psicológicos, neurológicos ou psiquiátricos, bem como de alunos que apresentam altas habilidades/ superdotação.    Com a adoção do conceito de necessidades educacionais especiais, atualmente, é afirmado o compromisso com uma nova abordagem que vislumbra a inclusão social. Pelo menos, teoricamente.


Nossa identidade social é uma construção histórica e humana que se desenvolve no terreno da cultura e da educação. Pouco se reflete sobre a pluralidade da experiência humana de nosso povo, experiência que se enriquece na cultura e anseia pela liberdade. A educação deve atuar, pois, no processo de construção da cidadania, numa crescente igualdade de direitos. Neste aspecto, a pluralidade é uma fonte de crescimento educacional. O reconhecimento da pluralidade é, também, fundamental na mudança das formas de pensar das pessoas, para ampliar sua leitura de mundo, superar os preconceitos e combater atitudes discriminatórias. A escola é o espaço onde se concretizam as aprendizagens do reconhecimento da pluralidade, da convivência com a diversidade e respeito às diferenças. Há uma grande convergência de pontos de vista,  quanto à necessidade de abrir novos caminhos em educação especial brasileira. A lembrança é de que cada um ser eficiente especial[i] tem sua história de vida para contar.


 As diferenças, as desigualdades, as injustiças, a pluralidade cultural, racial, étnica, religiosa, nos sensibilizam e nos desafiam a realizar uma outra educação. E a tratar diferentemente as questões a ela ligadas, tais como a formação docente e as formas de gestão e de investigação. Tudo para levar em conta o desejo de criar coisas novas, coisas outras, com vistas a construir uma outra sociedade, na qual as mazelas da atual sejam superadas e as ricas virtualidades sejam criativamente incorporadas..


 Certamente tem havido muitos discursos, muitas elaborações teórico-conceituais sobre tais questões, expressando o desejo de mudança. Mas é certo, igualmente, que em múltiplos recantos da sociedade civil e mesmo dentro de diferentes instâncias do Poder Público (federal, estadual e, sobretudo, municipal) se realizam tentativas de criar essa "outra" educação, essa "outra" formação, essa "outra" gestão, essa "outra" investigação. Até porque na perspectiva de tal contexto, e como reação à discriminação e à exclusão social, tem-se desenvolvido no país, uma cultura de resistência, alimentada pelos interesses e necessidades da vida dos oprimidos, expressando o esforço dos excluídos (trabalhadores sem terra, negros, populações indígenas, outros movimentos sociais) por assegurar seus espaços.


A cultura da libertação dos setores dominados tem feito romper com o paradigma da resistência e do ajustamento forçado, e avançar na criação de uma nova consciência de libertação, na convicção de serem novos sujeitos da história, na  construção de um projeto alternativo de uma nova sociedade. Aos educadores brasileiros, de maneira particular, cumpre entender essa realidade social, porquanto só o entendimento será capaz de alimentar projetos de reconstrução. Os educadores precisam conhecer de perto, e a fundo, a realidade social e entrar em comunhão, porquanto o ato de conhecer representa o caminho para a compreensão de uma realidade cotidiana, gerando efeitos e desdobramentos dificíeis que exige olhar meticuloso e delicado,  e  que permite  realizar a conversão do conhecimento em ação. 


Essa conversão e reconversão têm caráter epistêmico: a práxis do educador é esse movimento dialético entre a conversão do conhecimento em ação transformadora, e a conversão da ação transformadora em conhecimento. E isso em boa medida vem acontecendo. É oportuno, então, abrir espaços no meio acadêmico para permitir que essas novas propostas venham a público de forma sistemática e, ao virem, possam ser conhecidas, valorizadas e analisadas. Se a busca de uma nova consciência e de novos caminhos só pode acontecer a partir de uma mudança profunda de cada membro da sociedade, que tem direito a uma convivência feliz e à cidadania, a nova sociedade somente pode ser construída como resultado da atuação histórica dos cidadãos. É preciso, portanto, recriar e multiplicar os espaços do cidadão, ampliando sua participação na vida social, tendo os processos educativos como estratégia iniludível.


Alguns dilemas atuais precisam ser superados no processo de uma educação transformadora.  Se, de um lado escola, família, grupos sociais, meios de comunicação,  são instâncias sociais que cumprem a função reprodutora da comunidade social, os desafios da mudança social geram um complexo e dialético processo de socialização que a escola se propõe cumprir: a ela é delegada a responsabilidade básica de preparar as gerações para sua incorporação na vida social e no mundo do trabalho. Sabemos que o significado de tal preparação traz discrepâncias enormes. Como promover a igualdade de oportunidades, como respeitar as diferenças sociais dos indivíduos? A construção da cidadania não pode consistir num conceito: tem que se concretizar na realidade vivencial dos sujeitos.


Estes, por sua vez, precisam ser educados na formação de novos valores e princípios, inspirados na construção social coletiva, na solidariedade e na participação. O verdadeiro sentido da real educação é a agregação de valores humanos frente à história de cada um.


 


 


[i] Criação de Silvânia Mendonça Almeida Margarida


Perfil do Autor


Silvania Mendonça é Mestre em Linguistica, Educação e Doutora em Educação.


Estudante de Direito e tem M.B.A. em Gestão Ambiental e História

(Artigonal SC #2804554)


Fonte do Artigo - http://www.artigonal.com/educacao-infantil-artigos/a-historia-de-cada-um-2804554.html

sexta-feira, 9 de julho de 2010

GRÓCIO

Grócio e outros escritores de seu tempo

A renovação operada também no campo da Filosofia teórica na época do Renascimento, e na que o sucedeu de imediato, é representada principalmente por Telésio, Bruno, Campanella; sobretudo pelos dois pensadores com os quais a Filosofia moderna se anuncia propriamente nos seus caracteres programáticos e sistemáticos, Francesco Bacon (1561/1626) e Renato Descartes (Cartesius; 1596/1650).
Os métodos de um e de outro são aparentemente opostos. Bacon quer restaurar a ciência, com a observação dos fenômenos naturais, substituindo o procedimento indutivo pelo dedutivo, pondo seus experimentos no lugar dos silogismos.
Antes dele, salvo tentativas de alguns precursores isolados, a Física era estudada em Aristóteles, cuja autoridade indiscutível punha-se em detrimento do desenvolvimento da pesquisa científica.
O método experimental, empírico e positivo, que tantos seguidores teria nas idades posteriores, é, pois, instaurado por Bacon. Sua obra, da qual se pode aproximar a de seu contemporâneo Galileu Galilei (1564/1642), desenvolve-se com propósitos análogos e fecundos de descobertas maravilhosas.
Descartes, porém, toma como ponto de partida a consciência individual. Quer libertar-se de todas as opiniões recebidas, emancipando-se, em um primeiro momento, da autoridade dos dogmas, e submetendo, metodicamente, todo dado, todo conhecimento, à dúvida. Estabelece, assim, como primeira certeza a só existência do seu pensamento que duvida (cogito, ergo sum: penso; logo, existo, isto é: existo porque penso - sum cogitans - penso porque duvido).
Destarte, põe em primeira plana o problema gnoseológico e o dirige para a solução, buscando na própria consciência o princípio de toda certeza.
Nessa afirmação metodológica, inspiraram-se as sucessivas escolas do racionalismo, do idealismo e do criticismo. Porém, bem considerado, também o posicionamento baconiano e galileico implica a afirmação dos poderes cognoscitivos da razão humana, pois pressupõe que a razão humana esteja em condições de, por si, descobrir a verdade, perquirindo os fenômenos.
Importância mais direta para a Filosofia do Direito tem Hugo Grócio (Groot), holandês (1583/1645), autor da obra Do direito da guerra e da paz (De jure belli ac pacis), em três livros, publicada em 1625.
Grócio é notável sobretudo porque, diferentemente dos outros autores mencionados, os quais trataram de questões políticas particulares, remonta aos princípios gerais da matéria, da qual tenta uma sistematização completa, sendo comumente considerado o fundador da moderna Filosofia do direito.
Deve-se notar ainda que ele teve, também nesse propósito, alguns precursores como, por exemplo,os três protestantes alemães João Oldendorp, Nicolau Hemming e Benedito Winkler, que publicaram suas obras sobre direito natural entre 1539 e 1615 (é especialmente notável o tratado de Winkler, Principiorum juris libri quinque, editado em 1615; (cf. sobre esses autores o livro de Kaltenborn, Os precursores de Ugo Grozio, em alemão, 1848).
Singular importância tem também nesse período, imediatamente antes de Grócio, a obra do espanhol Francesco Suarez (1548/1617), De legibus ac Deo legislatore (1612), da qual faremos ainda um resumo adiante.
Esta obra, rica de idéias profundas, tem, porém, ainda, certo caráter dogmático e contém numerosas referências à Teologia, enquanto Grócio, ao contrário, quer ater-se tão só à razão e apresentar, sobre esta base, princípios válidos para todos os homens, independentemente da religião.
Já o título de seu tratado (De jure ac pacis) demonstra que Grócio tinha precipuamente em vista o direito internacional, isto é, queria determinar as relações jurídicas que devem existir entre os Estados, seja na guerra, seja na paz.
Ensaios desse gênero tinham já existido, especialmente de autores italianos e espanhóis. Recordaremos os escritos de Giovanni da Legnano, professor em Bolonha - morto em 1383: De bello (Da guerra, 1360); do espanhol Francisco Arias de Valderas - aluno do Colégio de S. Clemente em Bolonha: Libelius de belli justitia injustitiave (Sobre a justiça ou injustiça da guerra, 1533); de Francisco de Vitoria, outro importante autor espanhol, ao qual retornaremos (De Indis, De jure belli, 1483/1546, etc., cerca de 1537/1539; 1. ed., póstuma, 1557); de Pietro Belli da Alba in Piemonte (1502/1575): De re militari et bello (1563); de Baltazar Ayala, nascido em Anversa, de pai espanhol, em 1548, e morto em 1584: De jure et officiis bellicis et disciplina militari (1582); e, sobretudo, de Alberico Gentili, nascido em San Genesio (na Província de Ancona) em 1552, e morto em Londres em 1608, depois de ter ensinado por mais de vinte anos na Universidade de Oxford.
No seu tratado De jure belli (1588) e em outras obras suas, Gentili revela-se um dos maiores teóricos do direito internacional, preocupado em dar à prática da guerra, além das relações pacíficas entre os Estados, um verdadeiro e próprio regulamento jurídico.
A obra de Gentili foi muito negligenciada. Grócio apenas acena para ela, mas dela serviu-se largamente. Em nossos dias o jurista inglês T.E. Holland republicou o De jure belli e escreveu uma monografia sobre Gentili. Na Itália, Aurélio Saffi, em 1878, fez e publicou sobre Gentili uma série de leituras. Escreveram ainda sobre Gentili: De Giorgi, Speranza, Fiorini (que lhe traduziu em italiano a obra principal, O direito de guerra, 1877), etc.
Gentili não é, certamente, inferior a Grócio como jurista; mas, no confronto entre ele e outros escritores semelhantes, Grócio tem o mérito de ter querido e sabido ir das questões particulares de direito internacional aos princípios filosóficos gerais. Ele não foi apenas jurista, mas também filósofo e, embora sem grande originalidade, soube realizar uma obra sistemática.
Ao dar esse caráter à sua obra, Grócio foi induzido também por considerações práticas, porque advertiu que um sistema de direito internacional devia fundar-se sobre bases diversas daquelas próprias dos sistemas jurídicos positivos de cada Estado.
Na era precedente, e em toda a Idade Média, sobre cada Estado tinham exercido (como vimos) uma espécie de hegemonia duas grandes autoridades, a Igreja e o Império, as quais, de qualquer forma, tinham regulado as relações internacionais. Ao tempo de Grócio, essas duas autoridades tinham perdido, finalmente, sua importância política: o sonho de um Império ou de uma Igreja, universais como poder político, esvanecera.
Era, então, preciso encontrar outras bases para determinar as relações jurídicas entre os Estados autônomos, limitados em seu território, mas absolutamente soberanos entre suas próprias fronteiras, e iguais, juridicamente, entre eles.
Grócio estabeleceu esses princípios, retornando às fontes clássicas, em especial a Aristóteles. Colhe deste a teoria fundamental, que o homem é sociável por sua natureza e destinado a uma certa forma de sociedade (política): Inter haec enim autem, quae homini sunt propria, est appetitus societatis, id est communitatis, non qualiscumque, sed tranquillae et pro sui intellectus modo ordinatae (De jure belli ac pacis, Proleg., § 6° = "Entre as coisas, pois, que são adequadas ao homem, está o desejo de sociedade, isto é, de comunidade, não de qualquer sociedade, mas de sociedade pacífica e ordenada exclusivamente em benefício de sua inteligência").
O direito é o que se mostra segundo a razão (não pela revelação) apto a tornar possível a convivência social, isto é, o que a reta razão demonstra conforme a natureza sociável do homem. Jus naturale est dictatum rectae rationis, indicans actui alicui, ex eius convenientia aut disconvenientia cum ipsa natura rationali ac sociali, inesse moralem turpitudinem, aut necessitatem moralem (Lib. I, cap. I, § 10; cf. § 12 = "Direito natural é uma imposição da reta razão que indica, para determinado ato, que é ele uma torpeza moral ou uma necessidade moral, segundo sua conveniência ou não conveniência com a própria razão natural ou social").
Grócio alcança substancial independência do direito em relação à Teologia e põe explicitamente em relevo tal independência. O direito natural, afirma, o sustentaria ainda que não existisse Deus, ou mesmo que ele não cuidasse das coisas humanas: Et haec quidem, quae jam diximus, locum aliquem haberent, etiamsi daremus, quod sine summo scelere dari nequit, non esse Deum, aut non curari ab eo negotia humana (Proleg. § 11 = "E essas coisas que já afirmamos, também diríamos que existem, mesmo que (o que não poderia ser dito sem grande crime) não existisse Deus, ou não cuidasse ele das coisas humanas").

Convém advertir que essa fórmula, conquanto típica do sistema de Grócio e a ele ordinariamente atribuída, não teve, porém, nele, a sua origem. Suarez (De legibus ac deo legislatore, Lib. n, Capo CVI, § 3°) acena para vários autores que, em suas disputas teológicas, usaram semelhantes expressões: em especial Gregorius, que não é, aqui, o Gregório de Valença, do século XVI (como alguém entendeu), nem mesmo Gregório de Rimini (Ariminensis, ou de Arimino, morto em 1358), no qual, de fato, lemos: Nam si per impossibile ratio divina sive Deus ipse non esset, aut ratio illa esset errans, adhuc si quis ageret contra rectam rationem angelicam vel humanam aut aliam aliquam si qua esset; peccaret (= "Pois, se por impossível, não existisse a razão divina, ou o próprio Deus, ou fosse titubeante aquela razão, se mesmo assim, agisse contra a reta razão, Angélica ou humana, ou contra outra razão qualquer, pecaria") - (Super secundo Sententiarum, Distinctio XXXIV, quaestio 1, art. 2). Certamente por engano, Gierke, na sua excelente obra J. Althusius und die Entwicklung der narurrechtlichen Staatstheorien (3. Aug., 1913, p. 74), atribuiu essas palavras ao alemão Gabriel Biel (morto em 1495), o qual as escreveu, mas reportando-as a Gregório de Rimini, que não deixa de citar (cf. BIEL. Epítome et collectorium ex Occamo super auatuor libros sententiarum, 1495, edição também com o título Commentarii in IV Sententiarum libros, Brixiae, 1574, L. II. Dist. XXXIV, questão única, art. 1). As disquisições teológicas desses e de outros escritores tiraram motivo de uma doutrina de Hugo de S. Victor (De sacramentis Christianae fidei. L. I. P. VI, Cap. VI-VII. In: MIGNE. Patrologia latina, t. 176). Notáveis são as palavras, com as quais Suarez retoma (sem, porém, aprová-las) as teses dos autores acima referidos: Licet Deus non esset, vel non uteretur ratione, vel non recte de rebus judicaret, si in homine esset idem dictamen rectae rationis dictantis, v. g. malum esse mentiri, illud habituum eamdem rationem legis, quam nunc habel; quia esset lex ostensiva malitiae, quae in objecto ab intrínseco existit = "Ainda que Deus não existisse, ou não usasse a razão, ou não julgasse retamente a respeito das coisas, se no homem existisse um ditame da reta razão que dissesse, por exemplo, ser mau mentir, aquele ditame teria a mesma razão da lei que tem agora, porque a lei seria ostensiva da maldade que existe intrinsecamente no objeto" (loc. cit.). Suarez foi, sem dúvida, a fonte próxima, à qual chegou Grócio.


Como se conhece o direito natural? Grócio indica dois métodos: um, a priori, mais sutil e filosófico; o outro, a posteriori, acessível a todos, mais popular.
Conhece-se a priori quando se encontra a necessária conformidade ou desconformidade de uma certa coisa com respeito à natureza racional e social.
Conhece-se a posteriori quando se vê que alguma coisa é crida como justa por todos os povos mais civilizados. Mas, admite o próprio Grócio, este segundo método é imperfeito, e tem valor apenas de probabilidade. Na verdade, ele exigiria, antes de tudo, o conhecimento do direito positivo de todos os povos, e mais (e esta é a objeção capital), o direito natural deve valer propriamente por si mesmo, ainda se violado ou desconhecido.
Entre as condições de sociabilidade, que constituem o direito, Grócio destaca nelas especialmente uma, a inviolabilidade dos pactos. Se admitíssemos que fosse lícito faltar aos pactos, a sociedade não seria possível. Deinde vero cum juris naturae sit stare pactis, ab hoc ipso fonte jura civilia fluxerunt (= "Na verdade, como é do direito natural que os pactos são estáveis, dessa mesma fonte decorreram os direitos civis" - Proleg., § 15).
Partindo desse princípio, Grócio deduz do mesmo a legitimidade dos governos e a inviolabilidade dos tratados internacionais. Supõe, de fato, que o Estado, a organização política, seja constituído por força de um pacto. Portanto, também Grócio é um contratualista, isto é, segue a teoria do contrato social, mas em um sentido que podemos dizer empírico.
Outros escritores, anteriores e posteriores a Grócio, buscam estabelecer um tipo ideal de contrato. Tinham eles compreensão, mais ou menos explicitamente, de que o contrato é uma idéia, uma hipótese, um princípio regulador mas não um fato histórico; este reconhecimento realça o desenvolvimento progressivo da teoria.
Ao contrário, para Grócio, o contrato social teria acontecido, ou seja, representaria uma verdade histórica. Por conseqüência, não existe um contrato social único, mas existem tantos deles, e diferentes, quantas e quais sejam as constituições políticas existentes.
Grócio supõe que toda constituição positiva possa ter sido precedida de um contrato correspondente, o que tornaria legítimas todas as instituições, todos os governos. Sicut autem multa sunt vivendi genera, alterum altero praestantius, et cuique liberum est ex tot generibus id eligere, quod ipsi placet, ita et populus eligere potest qualem vult gubrnationis formam, neque ex praestantia huius, aut illius formae, qua de re diversa diverso rum sunt judicia, se ex voluntate jus metiendum est (= "Assim como são muitos os modos de vida, um mais valioso do que o outro, e cada um é livre para escolher entre todos o que lhe agrade, da mesma forma, o povo pode escolher a forma de governo que deseja, não pelo valor dele, ou de sua forma, a respeito da qual os juízos são diversos, mas esse direito deve ser medido pela vontade"). (Lib. I, cap. III, § 8.)
O contrato social é, então, para Grócio, um ato exterior, uma manifestação que deriva da opinião e de uma certa oportunidade do momento, não já da natureza própria do homem. Só o impulso à sociabilidade derivaria, para o homem, da natureza; mas a forma que a sociedade deve assumir, seria deixada ao seu mero arbítrio.
Grócio inclina-se a combater a opinião (manifestada pouco antes, por exemplo, por Althusius) segundo a qual os povos teriam sempre o direito de chamar para si a soberania originária. Atque hoc primum rejicienda est eorum opinio, qui ubique, et sine exceptione summam potestatem esse volunt populi, ita ut ei reges, quoties suo imperio male utuntur, et coercere et punire liceat" (ib.) (= "Em primeiro lugar deve ser rejeitada a opinião daqueles que, sempre e sem exceção, querem que o poder do Povo seja o maior, de tal modo que a ele seja lícito coagir e punir os reis sempre que usem maIo poder").
Por isso ele, à guisa de postulado, declara que juris naturae est stare pactis (= "É da natureza do direito que os pactos se mantenham").
A idéia do contrato social é colocada por Grócio apenas para demonstrar no povo a obrigação perpétua da obediência ao soberano. Desta maneira, o contrato social é como uma praesumptio juris et de jure, pela qual os atos praticados pelos governantes entendem-se consentidos pelos súditos.
Entendida neste sentido empírico e irracional, a teoria contratualística merece as várias objeções que lhe são feitas. Tais objeções, todavia, não têm valor contra os sistemas, nos quais o contrato social é entendido, mas como fato empírico, como princípio racional regulativo. Podem, antes de tudo, opor-se às teses de Grócio as constatações históricas, que demonstram que a sociedade e o Estado não tiveram origem no contrato, mas são fatos naturais, produzidos independentemente da reflexão e da deliberada vontade. O caráter consensual prevalece apenas enquanto a vida da sociedade progride; já o exercício e o reconhecimento jurídico da autonomia de cada um sucedem gradativamente à primitiva solidariedade impessoal dos grupos.
Poder-se-ia ainda indagar a Grócio por qual razão, dado que um pacto tivesse mesmo sido conluído originariamente, devesse obrigar as gerações seguintes, sem que elas tenham contratado ex novo aquele vínculo. Ademais, seria necessário verificar a liberdade do consenso e examinar se o conteúdo do contrato é lícito ou não. A razão nos diz que um contrato é obrigatório apenas se for concluído por deliberação espontânea, ou pelo menos fora de imediata violência.
O caso de um povo que, derrotado na guerra, in periculum vitae adductus, ou inopia pressus (como diz Grócio), renda-se incondicionalmente em escravidão a outro povo ou uni homini praepotenti, pode constituir entre as duas partes uma transação de fato, não de direito. Enfim, é de advertir-se que, em certos casos, o conteúdo do pretenso contrato pode ser de maneira a excluir por si que o consenso tenha sido livre, e assim, válido.
Assim, quando se apresenta como conteúdo de um contrato a alienação total, feita, por um dos contratantes, de tudo o que ele é e tem, sem qualquer correspondência da outra parte, poderíamos afirmar, a priori, sem receio de erro, que tal contrato, mesmo que concluído, é nulo em face do direito. Mas Grócio, atento apenas em estabelecer a obrigação de obediência dos súditos, atribuiu valor absoluto ao pretendido fato do contrato social (que como tal é inexistente). A hipótese contratualística não tem, pois, no seu sistema, valor racional, mas representa apenas um expediente ou uma fórmula fictícia para sanar e ratificar o que se encontra já realizado.
A teoria de Grócio é, quiçá, mais fecunda quando se aplica aos tratados internacionais. Ele quer introduzir a idéia do direito nas relações entre os Estados, e demonstrar que os tratados concluídos entre os Estados têm validade jurídica, são obrigatórios por direito natural. Desenvolvendo esse conceito, Grócio promoveu o desenvolvimento do direito internacional, em um tempo no qual a sociedade dos Estados apenas se preparava para formar-se, depois da decadência do poder medieval.
Além daquele princípio geral, Grócio propõe várias normas especiais sobre o estado de paz e de guerra, preparando algumas reformas nos usos dos beligerantes e formulando temperamentos que, em parte, vieram a ser aceitos.
Segundo as regras do direito internacional, a guerra tornar-se-ia quase um instituto jurídico, embora não perfeito, certamente. A isso, na verdade, tendia o trabalho de Grócio. Em seu tratado, porém, ele vale-se sobretudo de exemplos históricos, de tal modo que se transformou em uma exposição mais de fatos que de princípios.
A tendência moderna é no sentido de não reconhecer em Grócio um grande valor especulativo. Mas é indubitável a influência que ele teve em seu tempo, tanto que foi geralmente proclamado o fundador do direito internacional (embora isto não seja exato); e como tal foi considerado pelos estudiosos, e talvez também pelos governos. Vico o chamou "o jurisconsulto do gênero humano".
Entre as numerosas elaborações e discussões sobre a obra de Grócio, recordemos o escrito do alemão Enrico Cocceji (1644/1719), Grotius illustratus, que foi completado e publicado (com notáveis acréscimos) por seu filho, Samuel Cocceji (1679/1755). Pode-se ainda recordar a tradução francesa do De jure belli ac pacis, acompanhada de valiosas notas, de 1. Barbevrac (1674/1744), nascido na França, professor em Losana e em Groninga), que traduziu e comentou igualmente também a obra de Pufendorf.
Não faltaram a Grócio, mesmo em seu tempo, críticas e oposições. Uma célebre polêmica desenvolveu-se a propósito da liberdade dos mares, que Grócio (em vista dos interesses holandeses) tinha defendido com a monografia intitulada Mare liberum (1609). Contra a tese de Grócio surgiram numerosos opositores, especialmente na península ibérica e na Inglaterra.
Recordemos, entre os mais notáveis, o monge português, professor na Espanha (em Valladolid), Serafino de Freitas (De justo imperio Lusitanorum asiatico adversus Grotii Mare liberum, 1625) e o inglês João Selden (1584/1654), Mare clausum, seu de dominio maris, 1635). Com esta monografia, tornada famosa ao lado da de Grócio, Selden propôs-se, antes de tudo, a demonstrar que, por direito natural, o mar não é comum a todos os homens, e, assim, pode ser objeto de domínio privado e político. Daí sustentou particularmente os direitos do rei da Inglaterra sobre os mares que circundam o Império Britânico.
Mais ainda que por esta dissertação, Selden merece menção pela sua maior obra, De jure naturali et gentium juxta disciplinam Ebraerum (1640), a qual representa uma singular tentativa de construir um sistema de direito natural sobre as bases dos preceitos divinos, que teriam sido revelados aos hebreus, e por meio deles a outras nações (proibição da idolatria, da blasfêmia, do homicídio, do adultério, do incesto, do furto, etc.). A obra de Selden foi profundamente estudada e discutida por Vico, ao lado das de Grócio e de Pufendorf, sendo justamente esses autores estimados por ele "os três príncipes do direito natural das gentes."

quarta-feira, 7 de julho de 2010

A Filosofia do Direito na Era Moderna

Sumário: 1. Maquiavel e Bodin. 2. Grócio e outros escritores de seu tempo. 3. Hobbes. 4. Espinosa. 5. Pufendorf. 6. Locke e outros escritores ingleses. 7. Leibniz, Thomasius e Wolf. 8. Vico e Montesquieu. 9. Rousseau e a Revolução Francesa. 10. Kant. 11. Fichte e a escola do direito racional. 12. O historicismo. 13. O historicismo filosófico, ou idealismo objetivo (Schelling, Hegel). 14. O historicismo político, ou a Filosofia da Restauração. 15. O historicismo jurídico, ou a escola histórica do direito. 16. Referência bibliográfica.

1. Maquiavel e Bodin

Nicolau Maquiavel (1469/1527), homem mais político que filósofo, foi um dos primeiros a tratar a ciência política com o espírito dos novos tempos, fundando-se na observação histórica e psicológica, distanciado de qualquer preocupação dogmática. Foi principalmente um homem de ação. Só quando se retirou dos afazeres de Estado para a vida privada compôs suas principais obras, entre as quais se destacam O Príncipe (Il Principe, de 1513) e os Discursos sobre a Primeira Década de Tito Lívio (Discorsi sopra ia prima Deca de Tito Livio).
Maquiavel indaga-se quais as causas que asseguram a estabilidade de um governo, e como tirar proveito a esse respeito da história antiga, analisando os critérios de governo dos Romanos, extraídos da narrativa de Tito Lívio.
Maquiavel examina os homens como são, com suas paixões, com seus vícios em geral, estuda as condições de fato, às quais se refere. Todavia, mirando o quadro desolador da Itália dilacerada por vários dominadores, é levado a conceber o ideal da unidade pátria. Segue, no entanto, sempre, o método da indução e da observação histórica. Ciente das reais condições de seu tempo, mesmo naquilo que elas tinham de mais triste, indaga como se possa tirar proveito delas para chegar à formulação de um Estado Itálico independente.
Sem nenhuma preocupação moral, indica os meios que estima como mais eficazes e aptos ao fim visado. Em certos casos não tem dúvida em aconselhar ao Príncipe que queira garantir o domínio da Itália, a fraude, além da violência. Tais meios eram comumente usados em seu tempo, mas o fato de ele os aconselhar lançou uma sombra sobre o seu nome e sua obra. Maquiavelismo tem, em política, um triste significado e resume-se na conhecida fórmula: o fim justifica os meios.
Alguns, como Alberico Gentili, Rousseau, Foscolo, etc., entenderam que Maquiavel tivesse querido apenas dar conselhos imorais com ironia, a um Príncipe; e, na realidade, revelar de tal modo os meios adotados na política para, desse modo, resguardar os povos contra as malas-artes dos governantes. Mas essa interpretação de O Príncipe não é a dominante na crítica.
A verdade é que Maquiavel vem julgado e interpretado segundo as condições de seu tempo. A sua justificação, em todo relativa, está nisto: ele tinha um ideal político e calculava quais as reais forças que, na prática, pudesse agregar em dadas circunstâncias, à sua atuação. Em suma, é preciso julgar a sua obra historicamente e em relação a determinado problema político, não como um tratado de moral, que estava distante de seu propósito. Queria apenas ensinar como tinha podido, então, formar-se um Estado Nacional na Itália (analogamente ao que ocorreu na França e na Inglaterra). Queria, em especial, exortar um Príncipe, ao qual as suas palavras eram endereçadas, a tomar uma iniciativa para esse fim.
O livro O Príncipe não é, pois, como se chegou a acreditar, uma sátira contra a tirania, mas um programa para a transformação da Itália em um Estado unitário.
Convém também advertir que, mesmo sob o aspecto prático e político, Maquiavel não avaliou adequadamente a eficácia dos fatores morais. Apenas se referiu aos motivos mais baixos da natureza humana, mas com eles não se fundam nem se regeneram as nações.
Os próprios fatos mostram que a Itália permaneceu dividida e em grande parte escrava, ainda, por três séculos, não obstante os meios sugeridos por Maquiavel; e só renasceu para a unidade estatal por intermédio de um mais elevado programa moral, ensinado pelos pensadores e mártires do final do século XVIII e primeira metade do XIX.
Outro escritor de transição digno de ser lembrado é o francês Giovanni Bodin (1530/1596), autor da obra Da República (De la République), em seis livros (1577, depois traduzido pelo próprio autor para o latim, em 1586).
Bodin trata da organização do Estado com método racional, não dogmático; é, por isso, um dos precursores da nova ciência política.
Não obstante algumas diferenças, pode ser confrontado com Maquiavel por várias razões: também ele funda-se sobre a observação dos fatos e se propõe fins concretos, imediatos; também ele, como Maquiavel, é absolutista; sua obra corresponde à consolidação da Monarquia na França.
A parte mais importante de sua obra é a que se refere à soberania. O conceito de soberania não podia ser bem definido na Idade Média, porque a ele se associavam elementos estranhos, especialmente teocráticos. (Considerava-se o soberano como representante da divindade. De outra parte, no feudalismo, a soberania política confundia-se com o direito privado de propriedade.)
Bodin afirma que em todo Estado deve existir um poder supremo, uno e indivisível (não há Estado sem poder soberano). São caracteres essenciais da soberania o absolutismo e a perpetuidade. A soberania compreende, em primeiro lugar, o direito de fazer leis. Mas aquele que faz as leis, segundo Bodin, não pode a elas estar sujeito; permanece, assim, superior a elas. O soberano está sujeito apenas às leis divinas e naturais, cujo império reafirma. Na ordem jurídica positiva, a soberania é necessariamente absoluta: aquele que é dela investido é superior à lei, e para com o soberano existem deveres, e não direitos. Assim, nenhum direito à rebelião contra o tirano (como sustentado por algumas escolas); e, da mesma forma, nenhum direito do cidadão contra o Estado. A liberdade é, desta forma, sacrificada à autonomia estatal.
Observamos que essa concepção de Bodin é imperfeita, porque põe em destaque o caráter de independência extrínseca do poder soberano; não assinala, por outro lado, a possibilidade de uma intrínseca limitação desse poder, com o objetivo de dar lugar a uma tutela jurídica da liberdade individual. Mas a solução desse elevado problema, do qual depende o surgimento do Estado constitucional, devia estar reservada a uma época posterior.
A soberania, com todos os seus caracteres próprios, pode pertencer, segundo Bodin, tanto a um monarca como ao povo, ou a um corpo de nobres. É claro que, com isso, Bodin (contrariamente a quanto foi considerado depois, por exemplo, por Roussseau) confunde a soberania com o governo.
Distingue, portanto, três formas de soberania ou de governo: monarquia, aristocracia e democracia.
Enquanto, segundo alguns (Aristóteles, Políbio, Cícero, Maquiavel) podia-se ter também uma forma mista de governo, Bodin refuta essa teoria, a qual, ao seu ver, contrasta com o conceito fundamental de soberania, que é essencialmente indivisível.
Assim, aqui e ali será preciso examinar a quem compete fazer as leis (primeiro distintivo da soberania). Quando no fazer a lei existe parte essencial, por exemplo, o povo, o governo é democrático; e assim por diante.
Bodin examina, depois, as vantagens de cada uma dessas formas de governo e conclui pela excelência do governo monárquico (como existia na França). Para Bodin, a soberania, que é una por natureza, encontra na monarquia a sua natural expressão.
Como Maquiavel, Bodin é, antes de tudo, um político, e em seus tratados visa sempre a política. Considera, portanto, com particular zelo, as causas de mudança do governo e busca condições melhores para o desenvolvimento do Estado, afirma a oportunidade de adaptar as leis às condições naturais (insistindo, por exemplo, na relação entre o clima e as leis). Inspirou, nessa parte, a Montesquieu.
A obra de Bodin é também uma fonte de estudos especiais: assim, por exemplo, sobre impostos, em que é considerado dos primeiros cameralistas (cultores da ciência cameral, que corresponde à hodierna ciência das finanças).
Bodin defendeu, ainda, a tolerância religiosa, diante das violentas lutas que se feriram então entre católicos e protestantes. Por essas e outras manifestações, mostra-se um iniciador da idade moderna, enquanto que, por outros aspectos, conserva, ainda, caráter medieval (por exemplo, ele escreveu ao influxo de demônios e de astros, etc.).
fonte: s.n.t.

terça-feira, 6 de julho de 2010

O GAROTO QUE FUGIA DA FILOSOFIA

O garoto que fugia da filosofia

Quando eu era criança me veio o temor de eu não enxergar a mesma cor, que eu denominava verde, que a cor que outros denominavam também de verde. Dávamos o adjetivo “ verde” a um objeto que tinha a cor verde. Concordávamos: aquilo que apontávamos era verde. Mas, será que o “meu verde” era o mesmo que o “verde do outro”? Eu era um filósofo e não sabia. Eu cresci um pouco e achei que perguntas desse tipo não eram sérias, e que era coisa de criança. Quis largar a filosofia, e isso antes mesmo de chegar à adolescência.

Fiquei contente em perceber que a pergunta sobre o verde havia ficado no passado. Estava livre da filosofia! Ah, que bom! Nada de perguntas malucas, que poderiam me atrapalhar não só no esporte, mas também no namoro. Um filósofo não joga bola e ninguém quer namorar um filósofo – assim diziam e assim acreditei. Além disso, perguntas daquele tipo, que até sobreviveram comigo no tempo da escola primária, não tinham trazido pouco dissabor para minha vida em sala de aula. Ah! Livre delas, terminado o tempo da filosofia, eu poderia, enfim, ser normal!

Jogando bola e namorando, tudo iria bem. Os problemas existiam, mas eram outros. No esporte, a questão era a da estratégia no basquetebol. Como fazer o adversário pensar uma coisa que não se iria fazer e, assim, levá-lo a deixar que fosse feito o que eu realmente pretendia. Finta – eis aí o nome da coisa. No namoro, a questão às vezes era parecida, quase como a do basquetebol: as meninas da mesma idade, já bem mais maduras, queriam os moços, os mais velhos, e quando vinham para namorar com garotos, também fintavam: faziam que estavam apaixonadas e nós acreditávamos, mas não estavam. Nesse caso, não era finta o nome que dávamos, era traição. Como nos mordíamos com isso!

Um dia voltei à biblioteca do meu avô, que eu havia abandonado na pré-adolescência. Quando vi estava com um livro de filosofia nas mãos. Ele falava de ética e moral, e eis que os problemas da finta e da traição estavam lá. Enganar, dissimular, trair, divulgar ideologia etc. – tudo lá. Eu pensava ter me livrado da filosofia! Mas ela estava novamente comigo.

Resolvi, então, enfiar a cabeça nos estudos das “matérias principais” Chega de só namorar, só jogar bola e, é claro, chega de resvalar em filosofia. Uma vida normal – eis o que eu queria. Uma vida normal implicava em ter uma profissão. Então, deveria passar no vestibular, fazer universidade e ganhar o chamado mercado de trabalho.

Comecei a estudar matemática para valer. Mas, rapidamente, as coisas ficaram complicadas. Eu havia aprendido bem o Teorema de Pitágoras. E já o havia aplicado à diagonal de um quadrado de lado unitário. Mas, um pouco mais velho, essa operação fez novo sentido para mim. O resultado: raiz quadrada de dois. Ora, mas essa raiz não dá um número que eu possa determinar e, no entanto, estou vendo ali que a diagonal tem começo e fim, tem de ter um número finito determinável. O cálculo mostra uma coisa, a visão mostra outro. Como? Quem estaria certo: o intelecto que aplicou o Teorema ou os olhos que não concordam com o resultado da aplicação? Não foi nem preciso eu voltar à biblioteca do meu avô para ver que estava eu, novamente, envolto com algo que não era só da ordem da matemática, mas da filosofia.

Não podendo vencer o inimigo, tratei de me unir a ele. Aceitei a filosofia como a companheira que iria fazer parte da minha vida. Mas, quando vi, ela era toda a minha vida. Eu já não era nada a não ser filósofo. E eis que me peguei com todos os problemas que citei antes, em níveis diferentes. E então vi que isso dependia de conversa, debate, vida pública, fala com outros. E que isso era possível em um lugar com liberdade. Para ser filósofo, para ser eu mesmo, precisava de liberdade. E aí fui eu pela vida, filosofando e buscando a liberdade. Buscando a liberdade e filosofando.

Ah, o basquete? O tempo tornou as pernas duras. Ah, as mulheres? Gostei bastante e ainda gosto, obrigado! Tenho a melhor delas.

Paulo Ghiraldelli Jr, filósofo.


Fonte: http://portal.filosofia.pro.br/

HISTÓRIA DA FILOSOFIA

I. A GRÉCIA
1) O berço da Filosofia. A Grécia e o mundo grego.
Localizada entre o Oriente Asiático e a Europa Ocidental, os gregos – dotados de instituições sociais e políticas que incentivavam a iniciativa individual – recolhem as matérias das grandes civilizações e com espírito sintético e artístico elevou este monumento de cultura, copiado por muitos até hoje. Os gregos fundaram muitas cidades Estado e os cidadãos livres podiam se dedicar a política e a cultura, já que os escravos cuidavam de todo trabalho braçal.
2) Condições históricas, econômicas, políticas e religiosas da Grécia no surgimento da Filosofia.
Enquanto a Filosofia nascia a Grécia passava por transformações profundas resultantes da retomada do comércio com o Oriente o que ocasionou uma efervescência religiosa e social. Nesse processo libertou-se o espírito humano que passou a procurar uma resposta racional para os acontecimentos

II. O MITO
3) A primeira tentativa de busca de compreensão do mundo: o mito.
O ser humano desde tempos remotos preocupou-se com as coisas ao seu redor. A primeira tentativa de busca da compreensão do mundo foi o MITO. Os gregos explicavam os fenômenos naturais, através do sobrenatural, eles atribuíam aos deuses todos processos que ocorriam na natureza. Quando Homero e Hesíodo colocar o MITO no papel, surgiram as primeiras críticas ao MITO.
4) A idéia de physis e sus importância para a passagem do pensamento mítico ao pensamento filosófico ou científico. Da arché ao logos.
Com a physis (natureza), os homens deixam de procurar as causas dos fenômenos naturais no mundo sobrenatural e passou a buscar as causas dos fenômenos naturais, no próprio mundo natural. A fim de evitar a regressão ao infinito da explicação causal, pois sempre existe possibilidade de buscar uma causa anterior, os filósofos tentam buscar um elemento primordial, a arché, um ponto de partida para todo o processo. Logos = discurso. O logos é o discurso dos primeiros filósofos, que explica o real por meio de causas naturais.
5) Arché e physis: esquemas mentais para compreender e explicar a realidade.
PHÝSIS: explicava a realidade dentro da própria realidade, a natureza era explicada dentro da própria natureza, sem recorrer a fatores sobrenaturais como era feito no Mito.
ARCHÉ: Se todo fenômeno natural tem uma causa que é natural, essa relação de causalidade leva ao infinito, pois sempre existe possibilidade de buscar uma causa anterior. Para resolver este problema de causalidade infinita, surge a ARCHÉ, que é o elemento primordial, que serve de ponto para todo o processo.
6) Pensamento mítico e pensamento científico.
Pensamento Mítico: tenta explicar os fenômenos naturais, buscando a causa dentro do mundo fenomênico.
Pensamento Científico: explica os fenômenos naturais, buscando a causa dentro da própria natureza, da própria realidade.

III. O SURGIMENTO DA FILOSOFIA
7) Revolução grega ou milagre grego. O fato. As conseqüências. A interpretação.
Alguns recusam ver na nascente filosofia grega uma ruptura súbita com o mito, à semelhança de um milagre. A física jônia mais se aproxima de uma construção mítica e nada lembra s ciência como a conhecemos. Como o Mito, a física jônia não procurou as leis naturais. As antigas divindades embora recusadas nominalmente, estão presentes como forças ativas, sentidas como divinas. De qualquer modo porém, não há continuidade entre mito e a filosofia na Grécia. Ocorreu realmente profunda ruptura no pensamento grego. O importante é afirmar que algo de novo e muito importante aconteceu.

IV. A FILOSOFIA GREGA
8) Conhecimento sensível e conhecimento racional (dóxa: aparência, opinião), conhecimento sensível, e alethéia (verdade, certeza), conhecimento racional. Os gregos tiveram dificuldade em conciliar os dois até Aristóteles.
DÓXA: conhecimento sensível, aparência, opinião. Para os antigos gregos ele era incerto
ALETHÉIA: conhecimento racional, verdade, certeza. Para os antigos gregos a razão não engana.
A única maneira de se criar conceitos é através da análise e abstração do que o mundo nos oferece. Os sentidos são os nossos únicos meios de conexão com o mundo exterior. Os gregos tinham dificuldade de conciliar os dois, pois não conseguiam unir estes dois conceitos, não sabiam estabelecer a conexão entre eles. Aristóteles conseguiu. Aristóteles: “nada existe na mente que não tenha passado antes pelos sentidos”.
10) O problema não solucionado da relação entre ser e movimento.
Para os gregos o movimento tinha outro sentido.
Movimento para os gregos:
Físico: mudança de lugar dos corpos no espaço físico.
Quantitativo: aumento e diminuição na quantidade dos corpos.
Qualitativo: alteração nas qualidades ou características dos corpos
Substancial: geração e corrupção dos corpos.
O universo apresenta dois aspectos:
Aspecto dinâmico: o movimento (no sentido grego), atestado pelos sentidos, afirmado pelo senso-comum.
Aspecto estático: caráter absoluto do ser.
Os gregos não conseguiram conciliá-los. Aristóteles não conseguiu

11) Movimentos da filosofia grega: centrípeta, cêntrica e centrífuga:
CENTRÍPETA: veio de outras regiões da Grécia em direção para Atenas. Período pressocrático.
CÊNTRICA: já esta na Grécia. Período Socrático.
CENTRÍFUGA: sai de Atenas e vai em direção às outras regiões. Período possocrático

12) A política para os gregos era parte da ética. Foi Maquiavel ( Século XV E.C) quem separou política e ética, tornando a política um conhecimento específico e autônomo (uma ciência). Conseqüências dessa separação.
A política para Platão não é uma ciência, é Ética. Para ele, o fim do Estado é tornar o indivíduo feliz, facilitando-lhe a prática da virtude. Ele acreditava que as ações do Estado deveriam orientar-se por valores de conduta, por preceitos que exprimem os desejos do homem e o ideal de virtude. Com Maquiavel, a política se separa da ética e se torna uma ciência. Ele justificava o uso dos meios da mentira, da dissimulação, da violência e da fraude pelo exercício do governo. Com esses pensamentos Maquiavel rompeu com o pensamento de que as ações do Estado deveriam orientar-se por princípios morais determinados, tornando a política um conhecimento específico e autônomo (uma ciência).