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sexta-feira, 9 de julho de 2010

GRÓCIO

Grócio e outros escritores de seu tempo

A renovação operada também no campo da Filosofia teórica na época do Renascimento, e na que o sucedeu de imediato, é representada principalmente por Telésio, Bruno, Campanella; sobretudo pelos dois pensadores com os quais a Filosofia moderna se anuncia propriamente nos seus caracteres programáticos e sistemáticos, Francesco Bacon (1561/1626) e Renato Descartes (Cartesius; 1596/1650).
Os métodos de um e de outro são aparentemente opostos. Bacon quer restaurar a ciência, com a observação dos fenômenos naturais, substituindo o procedimento indutivo pelo dedutivo, pondo seus experimentos no lugar dos silogismos.
Antes dele, salvo tentativas de alguns precursores isolados, a Física era estudada em Aristóteles, cuja autoridade indiscutível punha-se em detrimento do desenvolvimento da pesquisa científica.
O método experimental, empírico e positivo, que tantos seguidores teria nas idades posteriores, é, pois, instaurado por Bacon. Sua obra, da qual se pode aproximar a de seu contemporâneo Galileu Galilei (1564/1642), desenvolve-se com propósitos análogos e fecundos de descobertas maravilhosas.
Descartes, porém, toma como ponto de partida a consciência individual. Quer libertar-se de todas as opiniões recebidas, emancipando-se, em um primeiro momento, da autoridade dos dogmas, e submetendo, metodicamente, todo dado, todo conhecimento, à dúvida. Estabelece, assim, como primeira certeza a só existência do seu pensamento que duvida (cogito, ergo sum: penso; logo, existo, isto é: existo porque penso - sum cogitans - penso porque duvido).
Destarte, põe em primeira plana o problema gnoseológico e o dirige para a solução, buscando na própria consciência o princípio de toda certeza.
Nessa afirmação metodológica, inspiraram-se as sucessivas escolas do racionalismo, do idealismo e do criticismo. Porém, bem considerado, também o posicionamento baconiano e galileico implica a afirmação dos poderes cognoscitivos da razão humana, pois pressupõe que a razão humana esteja em condições de, por si, descobrir a verdade, perquirindo os fenômenos.
Importância mais direta para a Filosofia do Direito tem Hugo Grócio (Groot), holandês (1583/1645), autor da obra Do direito da guerra e da paz (De jure belli ac pacis), em três livros, publicada em 1625.
Grócio é notável sobretudo porque, diferentemente dos outros autores mencionados, os quais trataram de questões políticas particulares, remonta aos princípios gerais da matéria, da qual tenta uma sistematização completa, sendo comumente considerado o fundador da moderna Filosofia do direito.
Deve-se notar ainda que ele teve, também nesse propósito, alguns precursores como, por exemplo,os três protestantes alemães João Oldendorp, Nicolau Hemming e Benedito Winkler, que publicaram suas obras sobre direito natural entre 1539 e 1615 (é especialmente notável o tratado de Winkler, Principiorum juris libri quinque, editado em 1615; (cf. sobre esses autores o livro de Kaltenborn, Os precursores de Ugo Grozio, em alemão, 1848).
Singular importância tem também nesse período, imediatamente antes de Grócio, a obra do espanhol Francesco Suarez (1548/1617), De legibus ac Deo legislatore (1612), da qual faremos ainda um resumo adiante.
Esta obra, rica de idéias profundas, tem, porém, ainda, certo caráter dogmático e contém numerosas referências à Teologia, enquanto Grócio, ao contrário, quer ater-se tão só à razão e apresentar, sobre esta base, princípios válidos para todos os homens, independentemente da religião.
Já o título de seu tratado (De jure ac pacis) demonstra que Grócio tinha precipuamente em vista o direito internacional, isto é, queria determinar as relações jurídicas que devem existir entre os Estados, seja na guerra, seja na paz.
Ensaios desse gênero tinham já existido, especialmente de autores italianos e espanhóis. Recordaremos os escritos de Giovanni da Legnano, professor em Bolonha - morto em 1383: De bello (Da guerra, 1360); do espanhol Francisco Arias de Valderas - aluno do Colégio de S. Clemente em Bolonha: Libelius de belli justitia injustitiave (Sobre a justiça ou injustiça da guerra, 1533); de Francisco de Vitoria, outro importante autor espanhol, ao qual retornaremos (De Indis, De jure belli, 1483/1546, etc., cerca de 1537/1539; 1. ed., póstuma, 1557); de Pietro Belli da Alba in Piemonte (1502/1575): De re militari et bello (1563); de Baltazar Ayala, nascido em Anversa, de pai espanhol, em 1548, e morto em 1584: De jure et officiis bellicis et disciplina militari (1582); e, sobretudo, de Alberico Gentili, nascido em San Genesio (na Província de Ancona) em 1552, e morto em Londres em 1608, depois de ter ensinado por mais de vinte anos na Universidade de Oxford.
No seu tratado De jure belli (1588) e em outras obras suas, Gentili revela-se um dos maiores teóricos do direito internacional, preocupado em dar à prática da guerra, além das relações pacíficas entre os Estados, um verdadeiro e próprio regulamento jurídico.
A obra de Gentili foi muito negligenciada. Grócio apenas acena para ela, mas dela serviu-se largamente. Em nossos dias o jurista inglês T.E. Holland republicou o De jure belli e escreveu uma monografia sobre Gentili. Na Itália, Aurélio Saffi, em 1878, fez e publicou sobre Gentili uma série de leituras. Escreveram ainda sobre Gentili: De Giorgi, Speranza, Fiorini (que lhe traduziu em italiano a obra principal, O direito de guerra, 1877), etc.
Gentili não é, certamente, inferior a Grócio como jurista; mas, no confronto entre ele e outros escritores semelhantes, Grócio tem o mérito de ter querido e sabido ir das questões particulares de direito internacional aos princípios filosóficos gerais. Ele não foi apenas jurista, mas também filósofo e, embora sem grande originalidade, soube realizar uma obra sistemática.
Ao dar esse caráter à sua obra, Grócio foi induzido também por considerações práticas, porque advertiu que um sistema de direito internacional devia fundar-se sobre bases diversas daquelas próprias dos sistemas jurídicos positivos de cada Estado.
Na era precedente, e em toda a Idade Média, sobre cada Estado tinham exercido (como vimos) uma espécie de hegemonia duas grandes autoridades, a Igreja e o Império, as quais, de qualquer forma, tinham regulado as relações internacionais. Ao tempo de Grócio, essas duas autoridades tinham perdido, finalmente, sua importância política: o sonho de um Império ou de uma Igreja, universais como poder político, esvanecera.
Era, então, preciso encontrar outras bases para determinar as relações jurídicas entre os Estados autônomos, limitados em seu território, mas absolutamente soberanos entre suas próprias fronteiras, e iguais, juridicamente, entre eles.
Grócio estabeleceu esses princípios, retornando às fontes clássicas, em especial a Aristóteles. Colhe deste a teoria fundamental, que o homem é sociável por sua natureza e destinado a uma certa forma de sociedade (política): Inter haec enim autem, quae homini sunt propria, est appetitus societatis, id est communitatis, non qualiscumque, sed tranquillae et pro sui intellectus modo ordinatae (De jure belli ac pacis, Proleg., § 6° = "Entre as coisas, pois, que são adequadas ao homem, está o desejo de sociedade, isto é, de comunidade, não de qualquer sociedade, mas de sociedade pacífica e ordenada exclusivamente em benefício de sua inteligência").
O direito é o que se mostra segundo a razão (não pela revelação) apto a tornar possível a convivência social, isto é, o que a reta razão demonstra conforme a natureza sociável do homem. Jus naturale est dictatum rectae rationis, indicans actui alicui, ex eius convenientia aut disconvenientia cum ipsa natura rationali ac sociali, inesse moralem turpitudinem, aut necessitatem moralem (Lib. I, cap. I, § 10; cf. § 12 = "Direito natural é uma imposição da reta razão que indica, para determinado ato, que é ele uma torpeza moral ou uma necessidade moral, segundo sua conveniência ou não conveniência com a própria razão natural ou social").
Grócio alcança substancial independência do direito em relação à Teologia e põe explicitamente em relevo tal independência. O direito natural, afirma, o sustentaria ainda que não existisse Deus, ou mesmo que ele não cuidasse das coisas humanas: Et haec quidem, quae jam diximus, locum aliquem haberent, etiamsi daremus, quod sine summo scelere dari nequit, non esse Deum, aut non curari ab eo negotia humana (Proleg. § 11 = "E essas coisas que já afirmamos, também diríamos que existem, mesmo que (o que não poderia ser dito sem grande crime) não existisse Deus, ou não cuidasse ele das coisas humanas").

Convém advertir que essa fórmula, conquanto típica do sistema de Grócio e a ele ordinariamente atribuída, não teve, porém, nele, a sua origem. Suarez (De legibus ac deo legislatore, Lib. n, Capo CVI, § 3°) acena para vários autores que, em suas disputas teológicas, usaram semelhantes expressões: em especial Gregorius, que não é, aqui, o Gregório de Valença, do século XVI (como alguém entendeu), nem mesmo Gregório de Rimini (Ariminensis, ou de Arimino, morto em 1358), no qual, de fato, lemos: Nam si per impossibile ratio divina sive Deus ipse non esset, aut ratio illa esset errans, adhuc si quis ageret contra rectam rationem angelicam vel humanam aut aliam aliquam si qua esset; peccaret (= "Pois, se por impossível, não existisse a razão divina, ou o próprio Deus, ou fosse titubeante aquela razão, se mesmo assim, agisse contra a reta razão, Angélica ou humana, ou contra outra razão qualquer, pecaria") - (Super secundo Sententiarum, Distinctio XXXIV, quaestio 1, art. 2). Certamente por engano, Gierke, na sua excelente obra J. Althusius und die Entwicklung der narurrechtlichen Staatstheorien (3. Aug., 1913, p. 74), atribuiu essas palavras ao alemão Gabriel Biel (morto em 1495), o qual as escreveu, mas reportando-as a Gregório de Rimini, que não deixa de citar (cf. BIEL. Epítome et collectorium ex Occamo super auatuor libros sententiarum, 1495, edição também com o título Commentarii in IV Sententiarum libros, Brixiae, 1574, L. II. Dist. XXXIV, questão única, art. 1). As disquisições teológicas desses e de outros escritores tiraram motivo de uma doutrina de Hugo de S. Victor (De sacramentis Christianae fidei. L. I. P. VI, Cap. VI-VII. In: MIGNE. Patrologia latina, t. 176). Notáveis são as palavras, com as quais Suarez retoma (sem, porém, aprová-las) as teses dos autores acima referidos: Licet Deus non esset, vel non uteretur ratione, vel non recte de rebus judicaret, si in homine esset idem dictamen rectae rationis dictantis, v. g. malum esse mentiri, illud habituum eamdem rationem legis, quam nunc habel; quia esset lex ostensiva malitiae, quae in objecto ab intrínseco existit = "Ainda que Deus não existisse, ou não usasse a razão, ou não julgasse retamente a respeito das coisas, se no homem existisse um ditame da reta razão que dissesse, por exemplo, ser mau mentir, aquele ditame teria a mesma razão da lei que tem agora, porque a lei seria ostensiva da maldade que existe intrinsecamente no objeto" (loc. cit.). Suarez foi, sem dúvida, a fonte próxima, à qual chegou Grócio.


Como se conhece o direito natural? Grócio indica dois métodos: um, a priori, mais sutil e filosófico; o outro, a posteriori, acessível a todos, mais popular.
Conhece-se a priori quando se encontra a necessária conformidade ou desconformidade de uma certa coisa com respeito à natureza racional e social.
Conhece-se a posteriori quando se vê que alguma coisa é crida como justa por todos os povos mais civilizados. Mas, admite o próprio Grócio, este segundo método é imperfeito, e tem valor apenas de probabilidade. Na verdade, ele exigiria, antes de tudo, o conhecimento do direito positivo de todos os povos, e mais (e esta é a objeção capital), o direito natural deve valer propriamente por si mesmo, ainda se violado ou desconhecido.
Entre as condições de sociabilidade, que constituem o direito, Grócio destaca nelas especialmente uma, a inviolabilidade dos pactos. Se admitíssemos que fosse lícito faltar aos pactos, a sociedade não seria possível. Deinde vero cum juris naturae sit stare pactis, ab hoc ipso fonte jura civilia fluxerunt (= "Na verdade, como é do direito natural que os pactos são estáveis, dessa mesma fonte decorreram os direitos civis" - Proleg., § 15).
Partindo desse princípio, Grócio deduz do mesmo a legitimidade dos governos e a inviolabilidade dos tratados internacionais. Supõe, de fato, que o Estado, a organização política, seja constituído por força de um pacto. Portanto, também Grócio é um contratualista, isto é, segue a teoria do contrato social, mas em um sentido que podemos dizer empírico.
Outros escritores, anteriores e posteriores a Grócio, buscam estabelecer um tipo ideal de contrato. Tinham eles compreensão, mais ou menos explicitamente, de que o contrato é uma idéia, uma hipótese, um princípio regulador mas não um fato histórico; este reconhecimento realça o desenvolvimento progressivo da teoria.
Ao contrário, para Grócio, o contrato social teria acontecido, ou seja, representaria uma verdade histórica. Por conseqüência, não existe um contrato social único, mas existem tantos deles, e diferentes, quantas e quais sejam as constituições políticas existentes.
Grócio supõe que toda constituição positiva possa ter sido precedida de um contrato correspondente, o que tornaria legítimas todas as instituições, todos os governos. Sicut autem multa sunt vivendi genera, alterum altero praestantius, et cuique liberum est ex tot generibus id eligere, quod ipsi placet, ita et populus eligere potest qualem vult gubrnationis formam, neque ex praestantia huius, aut illius formae, qua de re diversa diverso rum sunt judicia, se ex voluntate jus metiendum est (= "Assim como são muitos os modos de vida, um mais valioso do que o outro, e cada um é livre para escolher entre todos o que lhe agrade, da mesma forma, o povo pode escolher a forma de governo que deseja, não pelo valor dele, ou de sua forma, a respeito da qual os juízos são diversos, mas esse direito deve ser medido pela vontade"). (Lib. I, cap. III, § 8.)
O contrato social é, então, para Grócio, um ato exterior, uma manifestação que deriva da opinião e de uma certa oportunidade do momento, não já da natureza própria do homem. Só o impulso à sociabilidade derivaria, para o homem, da natureza; mas a forma que a sociedade deve assumir, seria deixada ao seu mero arbítrio.
Grócio inclina-se a combater a opinião (manifestada pouco antes, por exemplo, por Althusius) segundo a qual os povos teriam sempre o direito de chamar para si a soberania originária. Atque hoc primum rejicienda est eorum opinio, qui ubique, et sine exceptione summam potestatem esse volunt populi, ita ut ei reges, quoties suo imperio male utuntur, et coercere et punire liceat" (ib.) (= "Em primeiro lugar deve ser rejeitada a opinião daqueles que, sempre e sem exceção, querem que o poder do Povo seja o maior, de tal modo que a ele seja lícito coagir e punir os reis sempre que usem maIo poder").
Por isso ele, à guisa de postulado, declara que juris naturae est stare pactis (= "É da natureza do direito que os pactos se mantenham").
A idéia do contrato social é colocada por Grócio apenas para demonstrar no povo a obrigação perpétua da obediência ao soberano. Desta maneira, o contrato social é como uma praesumptio juris et de jure, pela qual os atos praticados pelos governantes entendem-se consentidos pelos súditos.
Entendida neste sentido empírico e irracional, a teoria contratualística merece as várias objeções que lhe são feitas. Tais objeções, todavia, não têm valor contra os sistemas, nos quais o contrato social é entendido, mas como fato empírico, como princípio racional regulativo. Podem, antes de tudo, opor-se às teses de Grócio as constatações históricas, que demonstram que a sociedade e o Estado não tiveram origem no contrato, mas são fatos naturais, produzidos independentemente da reflexão e da deliberada vontade. O caráter consensual prevalece apenas enquanto a vida da sociedade progride; já o exercício e o reconhecimento jurídico da autonomia de cada um sucedem gradativamente à primitiva solidariedade impessoal dos grupos.
Poder-se-ia ainda indagar a Grócio por qual razão, dado que um pacto tivesse mesmo sido conluído originariamente, devesse obrigar as gerações seguintes, sem que elas tenham contratado ex novo aquele vínculo. Ademais, seria necessário verificar a liberdade do consenso e examinar se o conteúdo do contrato é lícito ou não. A razão nos diz que um contrato é obrigatório apenas se for concluído por deliberação espontânea, ou pelo menos fora de imediata violência.
O caso de um povo que, derrotado na guerra, in periculum vitae adductus, ou inopia pressus (como diz Grócio), renda-se incondicionalmente em escravidão a outro povo ou uni homini praepotenti, pode constituir entre as duas partes uma transação de fato, não de direito. Enfim, é de advertir-se que, em certos casos, o conteúdo do pretenso contrato pode ser de maneira a excluir por si que o consenso tenha sido livre, e assim, válido.
Assim, quando se apresenta como conteúdo de um contrato a alienação total, feita, por um dos contratantes, de tudo o que ele é e tem, sem qualquer correspondência da outra parte, poderíamos afirmar, a priori, sem receio de erro, que tal contrato, mesmo que concluído, é nulo em face do direito. Mas Grócio, atento apenas em estabelecer a obrigação de obediência dos súditos, atribuiu valor absoluto ao pretendido fato do contrato social (que como tal é inexistente). A hipótese contratualística não tem, pois, no seu sistema, valor racional, mas representa apenas um expediente ou uma fórmula fictícia para sanar e ratificar o que se encontra já realizado.
A teoria de Grócio é, quiçá, mais fecunda quando se aplica aos tratados internacionais. Ele quer introduzir a idéia do direito nas relações entre os Estados, e demonstrar que os tratados concluídos entre os Estados têm validade jurídica, são obrigatórios por direito natural. Desenvolvendo esse conceito, Grócio promoveu o desenvolvimento do direito internacional, em um tempo no qual a sociedade dos Estados apenas se preparava para formar-se, depois da decadência do poder medieval.
Além daquele princípio geral, Grócio propõe várias normas especiais sobre o estado de paz e de guerra, preparando algumas reformas nos usos dos beligerantes e formulando temperamentos que, em parte, vieram a ser aceitos.
Segundo as regras do direito internacional, a guerra tornar-se-ia quase um instituto jurídico, embora não perfeito, certamente. A isso, na verdade, tendia o trabalho de Grócio. Em seu tratado, porém, ele vale-se sobretudo de exemplos históricos, de tal modo que se transformou em uma exposição mais de fatos que de princípios.
A tendência moderna é no sentido de não reconhecer em Grócio um grande valor especulativo. Mas é indubitável a influência que ele teve em seu tempo, tanto que foi geralmente proclamado o fundador do direito internacional (embora isto não seja exato); e como tal foi considerado pelos estudiosos, e talvez também pelos governos. Vico o chamou "o jurisconsulto do gênero humano".
Entre as numerosas elaborações e discussões sobre a obra de Grócio, recordemos o escrito do alemão Enrico Cocceji (1644/1719), Grotius illustratus, que foi completado e publicado (com notáveis acréscimos) por seu filho, Samuel Cocceji (1679/1755). Pode-se ainda recordar a tradução francesa do De jure belli ac pacis, acompanhada de valiosas notas, de 1. Barbevrac (1674/1744), nascido na França, professor em Losana e em Groninga), que traduziu e comentou igualmente também a obra de Pufendorf.
Não faltaram a Grócio, mesmo em seu tempo, críticas e oposições. Uma célebre polêmica desenvolveu-se a propósito da liberdade dos mares, que Grócio (em vista dos interesses holandeses) tinha defendido com a monografia intitulada Mare liberum (1609). Contra a tese de Grócio surgiram numerosos opositores, especialmente na península ibérica e na Inglaterra.
Recordemos, entre os mais notáveis, o monge português, professor na Espanha (em Valladolid), Serafino de Freitas (De justo imperio Lusitanorum asiatico adversus Grotii Mare liberum, 1625) e o inglês João Selden (1584/1654), Mare clausum, seu de dominio maris, 1635). Com esta monografia, tornada famosa ao lado da de Grócio, Selden propôs-se, antes de tudo, a demonstrar que, por direito natural, o mar não é comum a todos os homens, e, assim, pode ser objeto de domínio privado e político. Daí sustentou particularmente os direitos do rei da Inglaterra sobre os mares que circundam o Império Britânico.
Mais ainda que por esta dissertação, Selden merece menção pela sua maior obra, De jure naturali et gentium juxta disciplinam Ebraerum (1640), a qual representa uma singular tentativa de construir um sistema de direito natural sobre as bases dos preceitos divinos, que teriam sido revelados aos hebreus, e por meio deles a outras nações (proibição da idolatria, da blasfêmia, do homicídio, do adultério, do incesto, do furto, etc.). A obra de Selden foi profundamente estudada e discutida por Vico, ao lado das de Grócio e de Pufendorf, sendo justamente esses autores estimados por ele "os três príncipes do direito natural das gentes."

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