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quarta-feira, 7 de julho de 2010

A Filosofia do Direito na Era Moderna

Sumário: 1. Maquiavel e Bodin. 2. Grócio e outros escritores de seu tempo. 3. Hobbes. 4. Espinosa. 5. Pufendorf. 6. Locke e outros escritores ingleses. 7. Leibniz, Thomasius e Wolf. 8. Vico e Montesquieu. 9. Rousseau e a Revolução Francesa. 10. Kant. 11. Fichte e a escola do direito racional. 12. O historicismo. 13. O historicismo filosófico, ou idealismo objetivo (Schelling, Hegel). 14. O historicismo político, ou a Filosofia da Restauração. 15. O historicismo jurídico, ou a escola histórica do direito. 16. Referência bibliográfica.

1. Maquiavel e Bodin

Nicolau Maquiavel (1469/1527), homem mais político que filósofo, foi um dos primeiros a tratar a ciência política com o espírito dos novos tempos, fundando-se na observação histórica e psicológica, distanciado de qualquer preocupação dogmática. Foi principalmente um homem de ação. Só quando se retirou dos afazeres de Estado para a vida privada compôs suas principais obras, entre as quais se destacam O Príncipe (Il Principe, de 1513) e os Discursos sobre a Primeira Década de Tito Lívio (Discorsi sopra ia prima Deca de Tito Livio).
Maquiavel indaga-se quais as causas que asseguram a estabilidade de um governo, e como tirar proveito a esse respeito da história antiga, analisando os critérios de governo dos Romanos, extraídos da narrativa de Tito Lívio.
Maquiavel examina os homens como são, com suas paixões, com seus vícios em geral, estuda as condições de fato, às quais se refere. Todavia, mirando o quadro desolador da Itália dilacerada por vários dominadores, é levado a conceber o ideal da unidade pátria. Segue, no entanto, sempre, o método da indução e da observação histórica. Ciente das reais condições de seu tempo, mesmo naquilo que elas tinham de mais triste, indaga como se possa tirar proveito delas para chegar à formulação de um Estado Itálico independente.
Sem nenhuma preocupação moral, indica os meios que estima como mais eficazes e aptos ao fim visado. Em certos casos não tem dúvida em aconselhar ao Príncipe que queira garantir o domínio da Itália, a fraude, além da violência. Tais meios eram comumente usados em seu tempo, mas o fato de ele os aconselhar lançou uma sombra sobre o seu nome e sua obra. Maquiavelismo tem, em política, um triste significado e resume-se na conhecida fórmula: o fim justifica os meios.
Alguns, como Alberico Gentili, Rousseau, Foscolo, etc., entenderam que Maquiavel tivesse querido apenas dar conselhos imorais com ironia, a um Príncipe; e, na realidade, revelar de tal modo os meios adotados na política para, desse modo, resguardar os povos contra as malas-artes dos governantes. Mas essa interpretação de O Príncipe não é a dominante na crítica.
A verdade é que Maquiavel vem julgado e interpretado segundo as condições de seu tempo. A sua justificação, em todo relativa, está nisto: ele tinha um ideal político e calculava quais as reais forças que, na prática, pudesse agregar em dadas circunstâncias, à sua atuação. Em suma, é preciso julgar a sua obra historicamente e em relação a determinado problema político, não como um tratado de moral, que estava distante de seu propósito. Queria apenas ensinar como tinha podido, então, formar-se um Estado Nacional na Itália (analogamente ao que ocorreu na França e na Inglaterra). Queria, em especial, exortar um Príncipe, ao qual as suas palavras eram endereçadas, a tomar uma iniciativa para esse fim.
O livro O Príncipe não é, pois, como se chegou a acreditar, uma sátira contra a tirania, mas um programa para a transformação da Itália em um Estado unitário.
Convém também advertir que, mesmo sob o aspecto prático e político, Maquiavel não avaliou adequadamente a eficácia dos fatores morais. Apenas se referiu aos motivos mais baixos da natureza humana, mas com eles não se fundam nem se regeneram as nações.
Os próprios fatos mostram que a Itália permaneceu dividida e em grande parte escrava, ainda, por três séculos, não obstante os meios sugeridos por Maquiavel; e só renasceu para a unidade estatal por intermédio de um mais elevado programa moral, ensinado pelos pensadores e mártires do final do século XVIII e primeira metade do XIX.
Outro escritor de transição digno de ser lembrado é o francês Giovanni Bodin (1530/1596), autor da obra Da República (De la République), em seis livros (1577, depois traduzido pelo próprio autor para o latim, em 1586).
Bodin trata da organização do Estado com método racional, não dogmático; é, por isso, um dos precursores da nova ciência política.
Não obstante algumas diferenças, pode ser confrontado com Maquiavel por várias razões: também ele funda-se sobre a observação dos fatos e se propõe fins concretos, imediatos; também ele, como Maquiavel, é absolutista; sua obra corresponde à consolidação da Monarquia na França.
A parte mais importante de sua obra é a que se refere à soberania. O conceito de soberania não podia ser bem definido na Idade Média, porque a ele se associavam elementos estranhos, especialmente teocráticos. (Considerava-se o soberano como representante da divindade. De outra parte, no feudalismo, a soberania política confundia-se com o direito privado de propriedade.)
Bodin afirma que em todo Estado deve existir um poder supremo, uno e indivisível (não há Estado sem poder soberano). São caracteres essenciais da soberania o absolutismo e a perpetuidade. A soberania compreende, em primeiro lugar, o direito de fazer leis. Mas aquele que faz as leis, segundo Bodin, não pode a elas estar sujeito; permanece, assim, superior a elas. O soberano está sujeito apenas às leis divinas e naturais, cujo império reafirma. Na ordem jurídica positiva, a soberania é necessariamente absoluta: aquele que é dela investido é superior à lei, e para com o soberano existem deveres, e não direitos. Assim, nenhum direito à rebelião contra o tirano (como sustentado por algumas escolas); e, da mesma forma, nenhum direito do cidadão contra o Estado. A liberdade é, desta forma, sacrificada à autonomia estatal.
Observamos que essa concepção de Bodin é imperfeita, porque põe em destaque o caráter de independência extrínseca do poder soberano; não assinala, por outro lado, a possibilidade de uma intrínseca limitação desse poder, com o objetivo de dar lugar a uma tutela jurídica da liberdade individual. Mas a solução desse elevado problema, do qual depende o surgimento do Estado constitucional, devia estar reservada a uma época posterior.
A soberania, com todos os seus caracteres próprios, pode pertencer, segundo Bodin, tanto a um monarca como ao povo, ou a um corpo de nobres. É claro que, com isso, Bodin (contrariamente a quanto foi considerado depois, por exemplo, por Roussseau) confunde a soberania com o governo.
Distingue, portanto, três formas de soberania ou de governo: monarquia, aristocracia e democracia.
Enquanto, segundo alguns (Aristóteles, Políbio, Cícero, Maquiavel) podia-se ter também uma forma mista de governo, Bodin refuta essa teoria, a qual, ao seu ver, contrasta com o conceito fundamental de soberania, que é essencialmente indivisível.
Assim, aqui e ali será preciso examinar a quem compete fazer as leis (primeiro distintivo da soberania). Quando no fazer a lei existe parte essencial, por exemplo, o povo, o governo é democrático; e assim por diante.
Bodin examina, depois, as vantagens de cada uma dessas formas de governo e conclui pela excelência do governo monárquico (como existia na França). Para Bodin, a soberania, que é una por natureza, encontra na monarquia a sua natural expressão.
Como Maquiavel, Bodin é, antes de tudo, um político, e em seus tratados visa sempre a política. Considera, portanto, com particular zelo, as causas de mudança do governo e busca condições melhores para o desenvolvimento do Estado, afirma a oportunidade de adaptar as leis às condições naturais (insistindo, por exemplo, na relação entre o clima e as leis). Inspirou, nessa parte, a Montesquieu.
A obra de Bodin é também uma fonte de estudos especiais: assim, por exemplo, sobre impostos, em que é considerado dos primeiros cameralistas (cultores da ciência cameral, que corresponde à hodierna ciência das finanças).
Bodin defendeu, ainda, a tolerância religiosa, diante das violentas lutas que se feriram então entre católicos e protestantes. Por essas e outras manifestações, mostra-se um iniciador da idade moderna, enquanto que, por outros aspectos, conserva, ainda, caráter medieval (por exemplo, ele escreveu ao influxo de demônios e de astros, etc.).
fonte: s.n.t.

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